Nota: este post é baseado num artigo que escrevi com o Diogo Gonçalves para a revista Psicologia na Actualidade (agora: Psychology Now). Reproduzo e sumarizo aqui a ideia geral do artigo, com permissão do Diogo.
Durante décadas, decisores políticos utilizaram as ferramentas oferecidas pela microeconomia para desenhar e implementar políticas públicas. Embora muitas destas políticas tenham, inicialmente, sido bem sucedidas, à medida que os desafios encontrados pelos políticos aumenta em complexidade, a "caixa de ferramentas" standard da microeconomia tem-se demonstrado incapaz de lidar, de forma eficiente, com problemas graves como a corrupção, criminalidade, saúde pública, poupança, etc.
Num artigo de opinião publicado recentemente com o Diogo Gonçalves, tentamos convencer decisores responsáveis por políticas públicas (que inclui políticos na administração central, local, instituições públicas, responsáveis pela saúde pública, etc) de que podem desenhar políticas mais eficazes, eficientes e menos dispendiosas fazendo um uso mais intensivo de ciências comportamentais. Isto é, indo além da microeconomia (standard) e incorporando, nas intervenções públicas, conhecimento criado nas áreas da psicologia e economia comportamental, podemos conseguir mais e melhores políticas.
No artigo tentamos explicar as razões por detrás do sucesso desta nova geração de "políticas comportamentais". A ideia chave é a de que estas políticas - que são desenhadas tendo em conta regularidades empíricas descobertas e documentadas por cientistas comportamentais - são particularmente eficazes ao lidarem, precisamente, com aqueles problemas que são mais difícieis de resolver: problemas criados ou reforçados por hábitos e comportamentos que estão enraizados nos nossos cérebros. Este tipo de problemas inclui, por exemplo, lutar contra a obesidade, corrupção, evasão fiscal, aumentar os níveis de poupança, aumentar a sensibilidade para questões ambientais, promover o empreendedorism, etc. Tais problemas são muito difíceis de combater utilizando modelos e incentivos "racionais" por um simples fato: Na sua génese estão, muitas vezes, decisões pouco ou nada racionais. A melhor forma de mudar este tipo de comportamentos é, desta forma, intervir de forma a colocar os instintos humanos a jogarem em nosso favor, em vez de contra o nosso próprio interesse.
O Modelo DNA: Como Podem os Decisores Políticos Utilizar Este Conhecimento para Desenhar e Implementar Políticas mais Inteligentes?
No artigo discutimos em detalhe um modelo que propomos para ajudar decisores a desenhar e implementar melhores políticas comportamentais. Trata-se de um modelo com três passos chave:
(1) Audiência: Identificar e seleccionar a audiência alvo da política a ser implementada. É importante notar que, por "audiência" nos referimos não só ao segmento alvo da população mas, também, ao contexto específico sobre o qual irá incidir determinada política ou intervenção.
(2) Determinantes Comportamentais: Examinar e estudar os determinantes comportamentais que caracterizam a audiência alvo e o problema a atacar.
(3) Novas Políticas Comportamentais: Utilizar o conhecimento e informação recolhida no passo 2 para desenhar e implementar uma política comportamental capaz de utilizar os determinantes comportamentais - tanto cognitivos como afetivos - identificados para desenvolver uma polítia capaz de gerar comportamentos desejáveis ou evitar indesejáveis.
O Modelo DNA em Prática: As Lotarias Fiscais em Portugal
Em 2013-2014, Portugal - na altura sob medidas de austeridade rigorosas impostas pela Troika (FMI, Comissão Europeia e BCE) para estabilizar as finanças públicas do país - nessitava de assegurar que a sua cobrança de impostos melhorava. Era urgente diminur rapidamenet a evasão fiscal. Como resposta, o Governo Português da altura lançou um esquema de "loterias fiscais" que foi muito bem sucedido. Podemos facilmente analisar esta decisão política regime em termos do nosso modelo ABC:
A medida for considerada um sucesso. As lotarias fiscais geraram, no primeiro mês da sua implementação, um aumento de 45% na procura de recibos relacionados com a compra de bens ou serviços. Durante 2014, houve um aumento agregado de 36,3% na procura de recibos que permitam a participação na lotaria, e estima-se que a medida tenha originado um aumento total de 45% em termos de imposto de renda, correspondente a EUR 750M [fonte].
Em suma, tanto o Diogo como eu estamos convencidos de que este tipo de novas e mais eficazes políticas comportamentais irá florescer nos próximos anos. Esperamos que nosso artigo ajude e esta explosão e convença os decisores políticos em Portugal, e não só, a investirem ainda mais - e de forma confiante - nesta nova e muito eficaz "caixa de ferramentas" que está à sua disposição.