quinta-feira, agosto 17, 2006

Incentivos - A História de Grigori Yakovlevich Perelman e a conjectura de Poincaré

Grigori Perelman, matemático russo nascido em 1966, está na origem de um feito que os matemáticos aguardavam há mais de 100 anos - provar uma conjectura feita em 1904 por Jules Henri Poincaré (na foto) - ver aqui. Poincaré propôs, nos primeiros anos do séc. XX, que se num "espaço" tridimensional conseguirmos reduzir um qualquer "loop" (um caminho de um ponto x para ele mesmo) até um ponto (sem deformar nem o espaço nem o loop), então esse espaço é uma esfera tridimensional (ver, por exemplo, artigo na Wikipedia... - pelo que entendi, de um ponto de vista topológico, fica provado que uma maçã ou uma cara são o mesmo que uma esfera...).



A descoberta tem entusiasmado matemáticos de todo o mundo (ver artigo no N.Y.Times). Perelman é o favorito para vencer a "Fields Medal" deste ano (equivalente ao Prémio Nobel da Matemática). No entanto, desde 2003, após ter publicado as primeiras pistas da prova e ter feito uma tour pelos EUA a explicá-la que Perelman desapareceu e não responde a e-mails, não dá entrevistas (ver no mesmo artigo do N.Y.Times).

A prova de que esta prova é muito importante para a matemática está num incentivo criado recentemente para quem encontrasse a solução. Preocupado com a dificuldade de resolver algumas qestões clássicas da matemática que têm resistido à solução por longos anos, o Clay Mathematics Institute introduziu, em Maio de 2000, o Millennium Prize Problems que oferece 1 milhão de dólares à primeira pessoa que resolver cada um dos problemas. A conjectura de Poincaré é um dos sete problemas seleccionados. Perelman é, assim, o mais forte candidato a um dos sete milhões de dólares. Só que nem assim Perelman decidiu aparecer... Ou seja, aparentemente, até agora, Perelman decidiu não aproveitar os mais óbvios benefícios e incentivos que poderíamos ter imaginado pudessem tê-lo levado a investir o seu cérebro e tempo a provar a famosa conjectura - prémios monetários, fama, reputação (se bem que, especulando um pouco, pode estar interessado em ficar para a história como um génio altruísta...).

Esta reacção de Perelsman é intrigante. Apesar do resultado final (independentemente de estar ou não relacionado com o incentivo mencionado) ter sido o esperado, o facto de ele ignorar os prémios levou-me a pensar na complexidade dos incentivos e, também, nos efeitos indesejados que podem ter incentivos. No seu livro "The Armchair Economist", Steven Landsburg começa com uma frase forte para sublinhar o papel dos incentivos na economia: "Most of economics can be summarized in four words 'People respond to incentives.' The rest is commentary." O problema, quando tentamos criar incentivos (para que as pessoas façam as escolhas que pretendemos) é saber escolhê-los e prever as suas consequências (tantas vezes inesperadas).

A maioria dos economistas aceitam, hoje, que os incentivos não são apenas monetários e que, em muitos casos, envolvem questões como justiça ou moral (questões que Landsburg aceita e concorda, tendo publicado até um livro sobre o tema - Fair Play: What Your Child Can Teach You About Economics, Values and the Meaning of Life). Mas histórias como a de Grigori Perelman levam-me a pensar o quão complicado é entender os incentivos que realmente fazem as pessoas agir da forma como pretendemos. O quão complexo é (tentar) evitar efeitos perversos de bem-intencionados incentivos... O problema é que, invariavelmente, quem imagina o incentivo (em modelos de agência chamado de principal) não tem informação suficiente acerca do alvo do incentivo (o agente).

Mas há mais exemplos de incentivos que viraram desincentivos... Por exemplo, uma empresa pode decidir contratar um trabalhador especializado e dar-lhe bastante autonomia para fomentar a sua criatividade e participação (o que, aliás, penso fazer sentido). O que a empresa não consegue evitar é que esta mesma autonomia (aliada ao conhecimento especializado no novo colaborador) possam criar um incentivo de segunda ordem: aproveitar a sua fantagem em termos de informação e reduzir o esforço aplicado nas suas tarefas (caso esse comportamento lhe traga utilidade)! Este problema é às vezes chamado de moral hazard (pelas suas semelhanças com efeitos adversos dos seguros no comportamento)! Atenção que, e apesar do link anterior nos direccionar para o Ludwig von Mises Institute, não estou a tentar aqui dizer que qualquer tipo de intervenção, de incentivo criado é mau e irá ter resultados perversos... (por exemplo, este artigo de Malcom Gladwell no New Yorker discute alguns pontos controversos que ilustram os perigos de sermos fundamentalistas nas nossas ideias... incluindo a obsessão de fugir do Moral Hazard).

Na minha opinião, o desafio passa por (1) aceitarmos que o comportamento humano é complexo, (2) considerarmos os problemas de uma forma aberta, aceitando diversos pontos de vista e equacionando diversos ângulos, e (3) evitarmos cair no erro de tomar decisões pensando apenas nos efeitos mais directos/óbvios dos incentivos. Porquê que escrevi este post neste bolog? Porque penso que a solução passa por uma colaboração estreita entre diversas áreas do conhecimento (por exemplo, nas ciências sociais: economia, psicologia, sociologia,...) - uma colaboração que nos pode ajudar muito na escolha dos incentivos certos, e na maneira dos apresentarmos aos "agentes"...

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