terça-feira, agosto 08, 2006

Já sei, vamos por ali!! A racionalidade de decidir sem pensar

Já pensou em decidir comprar um determinado apartamento menos de 5 minutos após ter entrado, pela primeira vez, naquela que seria a sua futura residência?

Este tipo de decisão parece ter tudo para ser criticada por contrariar lições que aprendemos tanto na Escola como com os nossos pais: "pensar cuidadosamente antes de tomar decisões importantes."

Num artigo provocante escrito em 2004, Ap Dijksterhuis, Prof. no Dep. de Psicologia da Universidade de Amsterdão, confessa-nos que foi mesmo assim que comprou o seu apartamento. E explica. Quando os nossos Pais concluem os seus conselhos dizendo para "dormirmos sobre o assunto" eles estão a apelar a um segundo tipo de raciocínio (em alternativa à deliberação consciente de toda a informação disponível). Este raciocínio caracteriza-se por ser inconsciente e, segundo ele, muito mais eficaz mas, sobretudo, eficiente na tomada de decisões complexas.

O pensamento não é novo, como aliás reflecte a citação que abre o seu artigo, atribuída a Sigmund Freud:

"When making a decision of minor importance, I have always found it advantageous to consider all the pros and cons. In vital matters however...the decision should come from the unconscious, from somewhere within ourselves."

O raciocínio consciente compreende processos cognitivos (ou afectivos) relevantes para a decisão que utilizamos de forma consciente. Isto consome recursos cognitivos que são limitados. Por outro lado, no pensamento inconsciente, estes processos têm lugar de uma forma que escapa à nossa consciência, o que liberta imensos recursos. É esta parcimónia que se transforma na mais-valia do raciocínio inconsciente ao serviço da tomada de decisões complexas.

No entanto, isto não quer, segundo Ap Dijksterhuis, dizer que devemos tomar as decisões de imediato. Estes processos inconscientes também precisam de tempo para tratar o problema e proporcionar a solução e, por outro lado, necessitam que a decisão seja algo familiar para o decisor. Quanto mais familiar fôr a situação, menos tempo a intuição do decisor irá necessitar para chegar a uma decisão.

Ideia semelhante é advogada por Malcom Gladwell no seu best-seller Blink. Gladwell, no entanto, defende claramente que as decisões instantâneas são muitas vezes superiores aquelas baseadas em análises prolongadas e racionais.

Leigh Buchanan e Andrew O'Connell, num iluminado passeio por mais de 25 séculos de história da "Tomada de Decisão" ('A Brief History of Decision Making', Harvard Business Review, Janeiro 2006), concluem que a dicotomia entre intuição (ou coração) e razão é importante e que, mais uma vez, dependendo do tipo de decisão, a virtude está, normalmente, numa combinação de ambas as formas de pensar e não numa fé fundamentalista numa das duas.

No tempo da "Evidence Based Medicine" e da "Evidence Based Management", de facto, poucos decisores se darão ao luxo de ignorar boa informação. No entanto, haverão decisões onde essa informação não está disponível ou é tanta que se torna difícil de processar. Neste caso, é frequente ouvirmos gestores, médicos ou amigos nossos admitirem que tiveram de seguir o seu próprio instinto. E entre a maioria dos investigadores que comparam intuição e razão (ou modelos), parece haver consenso de que ambas as partes são muito importantes. (Por exemplo, Robert Blattberg e Stephen Hoch, num artigo influente publicado na Management Science em 1990, intitulado exactamente "Database models and managerial intuition: 50% model +50% manager" defendem que existem boas razões para conjugar razão e intuição na tomada de complexas decisões de Gestão.)

O segredo deverá estar, assim, em treinarmos o nosso instinto para que este seja eficaze e eficiente na análise das complexas decisões que ocupam a nossa vida pessoal e profissional...

Concluo com o último parágrafo de Leigh Buchanan e Andrew O'Connell (que citam também Peter Senge, nomeado o estratega do século pelo Journal of Business Strategy):

"In The Fifth Discipline, Peter Senge elegantly sums up the holistic approach:
'People with high levels of personal mastery...cannot afford to choose between reason and intuition, or head and heart, any more than they would choose to walk on one leg or see with one eye.'

A blink, after all, is easier when you use both eyes. And so is a long, penetrating stare."

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