quinta-feira, dezembro 13, 2007

Gestão Comportamental?

O quê que a Economia Comportamental tem a dizer a gestores e empresários? Tenho tentado abordar, em alguns posts, a aplicação de conceitos de Economia Comportamental ao Marketing no blog cienciamkt. No entanto, esse blog trata, de forma mais geral, avanços recentes na investigação académica aplicada à área do Marketing, e não apenas aspectos relacionados com as temáticas da economia comportamental. Assim sendo optei por manter ambos os blogs (o cienciamkt e este) em canais separados. Quando assim se justificar, no entanto, colocarei aqui um link para os posts relevantes, evitando desta forma a duplicação de conteúdos.

Por exemplo, nesta semana o post "Maximizers, satisficers e o excesso de escolha" divulga um novo vídeo do Prof. Barry Schwartz acerca da temática do paradoxo do excesso de escolha. Desta vez a discussãao foi patrocinada pela British Telecom e incluída na série BT Big Thinkers. Maria Salzman, Chief Marketing Officer da JWT Worldwide - uma das maiores agências publicitárias do mundo, Cyndi Stivers, Executive Vice-President da Martha Stewart Living - uma revista e programa de televisão da guru de entretenimento e decoração norte-americana Martha Stewart - e Steve Johnson, CEO da ChoiceStream, uma empresa que ajuda outras empresas a personalizar os seus serviços para cada cliente, completam um painel de luxo que discutiu implicações do fenómeno do excesso de escolha para a estratégia empresarial. Nomeadamente, os participantes discutiram potenciais consequências para empresas e a maneira como estas se devem relacionar com os seus clientes.

Economia Comportamental no Janelanaweb.com

Aqui no Economia Comportamental também já escrevi sobre tópicos relacionados com tomadas de decisão importantes para gestores (por exemplo o facto da aversão ao risco depender do contexto e historial recente de sucessos e fracassos, ou das preferências intertemporais e excesso de escolha alterarem de forma previsível as nossas decisões podem ter implicações importantes em diversas decisões estratégicas tomadas por gestores de empresas).

Desde esta semana que este blog se encontra, também, linkado a partir do portal de management Janelanaweb, mantido por Jorge Nascimento Rodrigues. É uma excelente oportunidade de divulgar mais aplicações de conceitos de economia comportamental e tomada de decisão ao mundo da gestão.

NC

terça-feira, dezembro 11, 2007

Usando economia comportamental para promover comportamentos saudáveis

Na edição de 28 de Novembro do JAMA (The Journal of the American Medical Association) George Loewenstein, em conjunto com Troyen Brennan e Kevin Volpp, dois investigadores em Medicina, publicaram um breve artigo em como aplicar conceitos de economia comportamental para promover comportamentos saudáveis em pacientes e na população em geral.

Um dos exemplos clássicos discutidos é o efeito da opção por defeito nas escolhas que as pessoas fazem. Todos temos noção da influência da opção standard nas nossas escolhas. Por exemplo, em Portugal a legislação acerca de doação de orgãos assenta no conceito de doação presumida, isto é, os cidadãos que não quiserem que os seus orgãos sejam eventualmente doados em caso de morte têm de se deslocar a qualuqer centro de saúde e, apresentando o seu BI, declarar que pretendem inscrever-se no Registo Nacional de Não Dadores.

Num artigo de 2003 na revista norte-americana Science, os psicólogos Daniel Goldstein e Eric Johnson mostraram que o facto de a legislação de um país presumir, por defeito, doação ou não doação de orgãos altera de forma dramática as escolhas dos cidadãos em relação a esta importante decisão. O gráfico seguinte, que inclui as taxas de doação calculadas pelos autores numa série de países europeus (Portugal está representado apenas com a letra 'P', 'PO' refere-se à Polónia), ilustra de forma clara este fenómeno:



Fonte: Daniel Goldstein e Eric Johnson (2003), "Do Defaults Save Lives?," Science, 302, pp. 1338-1339


Os autores realizaram ainda uma série de experiências em que demonstram que este é um padrão comportamental robusto. Esta tendência foi etiquetada no final dos anos 1980, num artigo clássico de William Samuelson e Richard Zeckhauser, como a Status Quo Bias. O artigo, um dos primeiros do Journal of Risk and Uncertainty, começava com a seguinte citação de Samuel Johnson:

"To do nothing is within the power of all men."


No artigo do mês passado no JAMA os autores revisitam este padrão comportamental que tanto se aplica à decisão de doar, ou não, orgãos como à decisão de ficar com uma caneca-brinde ou com um equivalente monetário, como demonstrado numas famosas experiências realizadas por Daniel Kahneman, Jack Knetsch e Richard Thaler no início dos anos 90 (ver o artigo "The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias: Anomalies"). Na área médica os autores referem que, por exemplo, marcar automaticamente (e por antecipação) testes ou outras tarefas de medicina preventiva iria certamente aumentar este tipo de comportamento desejável na população. Outros exemplos incluem mudar a opção para a bebida de acompanhamento de uma refição, por defeito, para água. Colocar alimentos menos saudáveis, por exemplo numa cantina, numa segunda linha de acesso menos fácil (obrigando à decisão explícita de os preferir em vez de algo mais saudável), ou mesmo pedindo às pessoas que se escolham com alguma antecedência que tipo de alimentos ou bebida vão preferir no dia seguinte ou nas horas seguintes (jogando com outra anomalia comportamental que reflecte a tensão entre preferências de curto e longo prazo, muitas vezes ligada às teorias de desconto hiperbólico do tempo, entre outras explicações).

Não estranhe, portanto, quando ouvir alguém na mesa ao lado da sua, num restaurante, pedir o costume ou a intensidade com que empresas como Google, Yahoo e Microsoft lutam por ter os seus motores de busca e portais associados, por defeito, aos nossos browsers...


Algumas referências úteis:
  • Johnson and Goldstein (2003), "Do Defaults Save Lives?," Science, 302, pp. 1338-1339
  • Kahneman, Knetsch e Thaler (1991), "The Endowment Effect, Loss Aversion, and Status Quo Bias: Anomalies," The Journal of Economic Perspectives, 5 (1), pp. 193-206
  • Loewenstein, Brennan e Volpp (2007), "Asymmetric Paternalism to Improve Health Behaviors," JAMA, 298 (20), pp. 2415-2417
  • Samuelson e Zeckhauser (1988), "Status Quo Bias in Decision Making," Journal of Risk and Uncertainty, 1 (1), pp. 7-59, Março
  • segunda-feira, dezembro 03, 2007

    domingo, dezembro 02, 2007

    A sorte protege ou faz-nos audazes?

    Dean Cartechini é um vendedor Australiano que, no dia 17 de Junho de 2004 ganhou o prémio máximo do concurso "Deal or No Deal" (cerca de 200,000 dólares australianos ou 120,000 Euros a preços de hoje). A história de Dean serve para ilustrar um padrão de tomada de decisão curioso que se assemelha a decisões que todos nós tomamos na nossa vida quotidiana. A participação de Dean, naquele dia, ficaria marcada por uma sorte invulgar que se traduziu num encaixe financeiro bastante interessante para cerca de uma hora no concurso. Nem todos arriscariam tanto como Dean mas, depois de visualizarem e codificarem todos os episódios do "Deal or no Deal" transmitidos entre 2002 e Janeiro de 2007 na Holanda (51 episódios), EUA (53) e Alemanha (47), economistas holandeses e norte-americanos descobriram, nas decisões de mais de 150 concorrentes diferentes, padrões peculiares na tomada de decisão.



    A ideia do concurso é muito simples. Cada concorrente inicia o programa com 26 malas à sua frente, cada uma contendo uma quantia de dinheiro que varia entre 1 cêntimo e um valor bastante elevado (1 milhão de euros na Holanda, por exemplo). O apresentador pede ao concorrente que escolha uma mala. A partir deste momento o valor, ainda que desconhecido, dentro da mala é do concorrente. Depois o concorrente escolhe 6 das restantes malas que são então abertas (revelando os prémios que o concorrente não poderá ganhar). Após esta operação um "banco virtual" oferece um valor ao concorrente (que vai sendo adaptado de acordo com o desenrolar do programa). O concorrente pode aceitar ou recusar a oferta e, neste segundo caso, terá de escolher mais 5 malas para abrir. O processo repete-se iterativamente até ao final do concurso que apenas ocorre quando (1) o concorrente aceita uma oferta do banco ou (2) fica com a sua mala e o valor nela contido (no caso de rejeitar todas as ofertas).

    Thierry Post, professor de finanças na Universidade Erasmus em Roterdão (Holanda), decidiu estudar este concurso que, segundo ele e os seus co-autores, "se parece mais com uma experiência económica do que com um concurso de TV" (Post et al. 2008). Os resultados da análise são difíceis de compatibilizar com a teoria da utilidade esperada.

    Primeiro, muitos destes jogadores assumem níveis de risco anormalmente elevados. Muitas das decisões observadas pressupõe um "coeficiente relativo de aversão ao risco", uma medida utilizada pelos economistas como indicador da nossa tendência para evitarmos (ou não) o risco, que se aproxima de zero - isto é uma surpreendente insensibilidade ao risco financeior por parte dos concorrentes.

    Mas esta não é a única descoberta importante do artigo que Post redigiu em conjunto com Martijn Van Den Assem, Guido Baltussen e Richard Thaler (Univ. Chicago).

    Os surpreendentes resultados e o contexto quase experimental (mas bem real) do concurso valeram à equipa de investigadores uma publicação na prestigiada revista norte-americana American Economic Review (a ser publicado em 2008).

    Interessante é o facto de concorrentes como Dean Cartechini, além de apresentarem um grau muito baixo de aversão ao risco, demonstrarem padrões previsíveis de alteração, com o decorrer do jogo, da sua aversão ao risco. Não é nova a ideia de que as nossas decisões se baseiam, frequentemente, em preferências construídas localmente, baseadas em pontos de referência, e não num padrão comportamental e de preferências estável para cada indivíduo. O que é surpreendente é que isso se aplique a decisões com implicações financeiras elevadas (para a maioria dos concorrentes receber 100,000 Euros, ou 50,000 é um facto relevante na sua riqueza) e aparentemente tão simples (escolha entre aceitar ou não uma oferta, por vezes apenas com um simples sorteio entre dois valores em jogo) e, acima de tudo, à preferência por maior ou menor risco.

    Aparentemente a sorte ou azar das primeiras jogadas ditam, de forma determinante, as percepções de risco de concorrentes como o Dean e, consequentemente, as suas decisões. Os autores demonstram que (1) concorrentes azarados que abrem malas com valores muito elevados nas primeiras decisões ou (2) concorrentes sortudos que abrem apenas malas com valores muito baixos tendem, ambos, a tornar-se progressivamente menos avessos ao risco. Isto é os concorrentes mais afortunados e os mais azarados tendem a tomar decisões progressivamente mais arriscadas e que, em muitos casos, parecem trazer consigo uma probabilidade elevada de que o concorrente saia eventualmente lesado dessa escolha.

    Os autores descrevem o interessante caso de Susanne, uma concorrente alemã a quem destino reservava, a 23 de Agosto de 2006, um episódio de boa ventura. Susanne começa por eliminar, até à sexta ronda, praticamente todas as malas com valores pequenos, o que terá contribuído para a sua confiança numa participação afortunada. Na última decisão Susanne parecia "sofrer" já de um efeito que os autores denominaram "house-money". Sem pensar duas vezes, não hesita em rejeitar uma oferta do banco de 125,000 euros, exactamente o valor esperado das duas malas restantes com 100,000 e 150,000 euros. Acabou por ser compensada pela sua audácia e levar para casa os 150,000 euros.

    Menos sorte teve Frank que, após uma série de decisões azaradas, na sétima jogada elimina a última mala que continha um valor elevado (500,000 euros) fazendo o seu prémio esperado cair de pouco mais de 100,000 Euros para cerca de 2,500! Mas o seu fado não terminaria aqui. Desanimado, desiludido e quem sabe mesmo irritado com o seu azar, Frank entra numa espiral de decisões arriscadas, aceitando lotarias claramente injustas. Na última jogada tem o pobre Frank de decidir entre uma oferta do banco de 6,000 Euros ou arriscar abrindo a última mala (revelando o conteúdo perdido) e ficar com o conteúdo da mala que já se encontrava em sua posse. Os valores em jogo nas duas malas eram 10 e 10,000 euros. Frank decidiu, surpreendentemenete, arriscar e abrir a última mala apenas para, como tinha sido seu apanágio desde o início do programa, perder mais um prémio, desta feita de 10,000 euros, saindo do estúdio com mais 10 Euros do que tinha entrado!

    Este tipo de reviravoltas e decisões que tanto nos levam de momentos de extrema sorte como elevado infortúnio são frequentes no nosso dia-a-dia. Não é pois de espantar que o estudo tenha despertado o interesse de inúmeros economistas e psicólogos mas também dos media, sobretudo norte-americanos e holandeses. As conclusões estão longe de ser óbvias e as implicações destes padrões comportamentais irão certamente muito além do comportamento em concursos televisivos. Decisões acerca de onde investir o nosso dinheiro, opções de carreira e poupança e saúde envolvem, frequentemente, contextos que podem, ainda que de forma subtil, aproximar-se dos dilemas vividos pelos concorrentes no "Deal or no Deal". Já diz o provérbio que dá o título a este post que a sorte proteje os audazes. Mas será que estaremos numa proverbial falácia do post hoc? Pelos vistos mais do que aqueles que são audazes serem bafejados pela sorte, parece que aqueles que são bafejados pela sorte tendem a ser audazes. O problema é que o azar também nos torna audazes. Infelizmente, neste segundo cenário, são demasiadas as vezes em que a audácia se começa a confundir com desespero, um padrão captado por um outro marco da sabedoria popular: perdido por 100, perdido por 1000!

    Algumas referências interessantes:

    - Deal or No Deal? Decision Making under Risk in a Large-Payoff Game Show (SSRN)
    - artigo no Wall Street Journal - 12/01/2006
    - entrevista na National Public Radio (EUA)
    - opinião de Stephen Dubner no Freaknonomics Blog (New York Times)
    - Resumo no Wall Street Journal Classroom Edition de Maio 2006
    - Descrição do "Deal or no Deal" norte-americano (prémio max=$1,000,000)
    - Descrição do "Deal or no Deal" norte-americano (prémio max=$1,000,000)
    - target="blank">Descrição do "Miljoenenjacht" - Deal or no Deal Holandês (prémio max= EUR 5,000,000)
    - Descrição do "Miljoenenjacht" - Deal or no Deal Alemão (prémio max= EUR 2,000,000)
    - Descrição do "Topa ou não topa" - Deal or no Deal Brasileiro (prémio max= R$ 1,000,000 (cerca de EUR 380,000)

    Maximizando a... felicidade

    Os poetas espelham, não raras vezes, as preocupações mais íntimas do ser humano. Porque tem a "alma dos poetas" de ser triste? Assim o será, penso eu, até ao dia em que consigamos perceber o verdadeiro significado de bem-estar, e aquilo que devemos procurar. Até lá, continuaremos a ouvir lamentos como o de Fernando Pessoa:

    "Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes."

    Fernando Pessoa (Bernardo Soares)
    ver (por exemplo) em: Ana Belo (2006), "O pequeno livro da felicidade"


    Imagem disponível no blog dos Radiohead, o famoso grupo britânico que acabou de lançar o seu novo álbum inrainbows (2007)

    quarta-feira, novembro 28, 2007

    Dimensao social e ambiental de Bem-estar

    Este vídeo, produzido pela Comissão Europeia, ilustra de forma clara o último ponto no post anterior. As ideias de Daniel Kahneman e Richard Layard (entre muitos outros) estão a começar a produzir efeitos ao nível da política económica e social, pelo menos na União Europeia:

    Como medir bem-estar subjectivo?

    Tinha colocado este vídeo como "referência interessante" no post desta semana acerca de Felicidade e Economia. No entanto, penso que responde a muitas das questões que o post anterior levanta e, portanto, achei importante colocá-lo aqui também:



    É importante também salientar que:

    1 - Apesar do título, potencialmente controverso, do post Felicidade e Economia, as medidas subjectivas de bem-estar não pretendem substituir mas antes complementar as medidas mais objectivas existentes

    e...

    2 - Ainda que correctamente medidas (em termos de validade das questões, representatividade da amostra, qualidade do inquérito) estas medidas não cobrem todas as dimensões importantes do bem-estar. Por exemplo, a qualidade do ambiente, as perspectivas que se criam hoje para o médio/longo-prazo (em termos de saúde,, educação, ambiente, capacidade apra continuar a crescer...) são componentes muito importantes que, ainda que não tenham um impacto imediato nas respostas dos cidadãos a estas questões, devem ter um papel importante nas políticas económicas e sociais.

    Referência essencial:

  • Daniel Kahneman e Alan Krueger (2006), "Developments in the Measurement of Subjective Well-Being," Journal of Economic Perspectives, 20 (1), Winter, p. 3-24

    --> Nota: na tabela 2 deste artigo os autores reproduzem os resultados de um estudo que fizeram à satisfação/felicidade de 909 mulheres do Texas com diversas actividades do dia-a-dia. A actividade que maior felicidade conferia às texanas era "relações íntimas", ou seja sexo! No entanto outros factos inesperados e interessantes incluem a baixíssima satisfação reportada associada a "cuidar dos filhos", o facto de "fazer compras" contribuir menos para o bem-estar destas mulheres que "socializar no trabalho" e "utilizar o computador (em casa)" estar associado com menor satisfação do que "cozinhar" e a um nível pouco mais elevado do que "trabalhos em casa"... No artigo referido aqui os autores discutem algumas razões para estas descobertas e potenciais enviesamentos que podem ser introduzidos pelos inquéritos. Apresentam ainda um método, o day reconstruction method que visa fornecer um retrato mais objectivo da felicidade e minimizar estes enviesamentos. Outras alternativas para minimizar enviesamentos podem passar por preparar cuidadosamente os inquéritos e utilizar métodos de correcção que permitam obter respostas verdadeiras - ver por exemplo:

  • Drazen Prelec (2004) "A Bayesian Truth Serum for Subjective Data," Science, Vol. 306. no. 5695, pp. 462 - 466.
  • terça-feira, novembro 27, 2007

    Seminário de Barry Schwartz acerca do paradoxo do excesso de escolha



    Um interessante seminário de Barry Schwartz, autor do livro "Paradox of Choice" acerca dos efeitos negativos do excesso de escolha, um tópico já discutido no 'Excesso de escolha - Um paradoxo recente' (Maio 2006) e no post 'Preferências intertemporais e excesso de escolha' (Maio 2006). Já escrevi bastante, portanto, sobre este tópico não só aqui como também no blog CienciaMKT, onde num post recente voltei a referir-me a importantes excepções onde mais escolha significa maior utilidade e satisfação para os consumidores. Espero que a blogosfera seja uma das importantes excepções... :D!

    domingo, novembro 25, 2007

    Economia da Felicidade - Abolindo o PIB?

    A Economia durante o séc. XX parece ter criado um grande paradoxo - enquanto o objectivo principal de grande parte da política económica tem sido promover o crescimento e aumentar o rendimento dos países, naqueles países que já tinham atingido um nível razoável de rendimento, as populações aparentemente não ficaram mais felizes por isso. Pelo contrário, quando comparadas com a situação de há 50 anos, nas sociedades do chamado "primeiro mundo" mais pessoas sofrem hoje de depressão, alcoolismo e são vítimas de crime (ver por exemplo a informação e referências recolhidas e sintetizadas por Richard Layard, autor do livro "Happiness - Lessons from a new science", aqui).

    Após anos e anos de discussão entre economistas, psicólogos e políticos algumas razões para este paradoxo parecem emergir. A conclusão principal é de que precisamos de medidas subjectivas de bem-estar e felicidade e de políticas que as tomem em consideração. As críticas às medidas tradicionais, de cariz mais objectivo mas algo dissociadas das percepções subjectivas de bem-estar das populações, levam alguns autores a sugerir que o melhor seria, em termos de medirmos correctamente o bem-estar de uma sociedade, simplesmente abolir o PIB , ou seja deixarmos de o utilizar como indicador primordial de prosperidade de um país (o que não quer de todo sugerir que deixemos de criar riqueza)!

    A fortalecer este "movimento" estão desenvolvimentos recentes na Psicologia, onde nomes como Martin Seligman se notabilizaram por tentarem dar um impulso à Psicologia Positiva. No fundo a ideia passa por defendermos que não basta, aos psicólogos, entender como tratar uma pessoa que está, em termos de bem-estar, num estado negativo trazendo-a para um estado de bem-estar neutro. É preciso, cada vez mais, saber como aumentar o bem-estar dos cidadãos e contribuir para um verdadeiro crescimento do bem-estar.

    Mas a ideia é já levada muito a sério por economistas. Economistas comportamentais como George Loewenstein (professor na Carnegie Mellon University de Economia e Psicologia) ou Daniel Kahneman (professor de psicologia em Princeton e prémio Nobel da Economia em 2002 têm sido unânimes
    na necessidade de voltarmos a encarar a utilidade como um conceito hedónico, isto é como um prazer psicológico, regressando a uma definição de utilidade já defendida no séc. XIX pelo filósofo Britânico Jeremy Bentham. Uma consequência directa deste regresso Bentham e da rejeição de que os agentes económicos tomam decisões apenas motivados por incentivos privados (isto é, a ideia de que os seres humanos são naturalmente egoístas) criou a a necessidade de medirmos e basearmos decisões económicas em conceitos subjectivos de bem-estar.



    Daniel McFadden (professor de Economia na Universidade de Berkeley e laureado com o prémio Nobel da Economia em 2000), numa aula que deu em 2005 no Econometric Society World Congress em Londres concluía que é necessário incorporar noções de altruísmo, normas sociais e culturais e mesmo estudar o cérebro humano por forma a descobrirmos as origens das nossas escolhas.

    O Economista Richard Layard, da London School of Economics, também concorda que o fim último da política económica (e social) deve ser tornar a população mais feliz, o que implica termos de medir a felicidade. Num livro beilhante que publicou em 2005 - Happiness: Lessons from a New Science - Layard sintetiza os fundamentos desta nova ciência (multi-disciplinar, felizmente!!) da felicidade e os factos referidos na introdução deste post. Layard também descreve as mais recentes formas de medir, de uma forma tão objectiva quanto possível, quão felizes são os cidadãos.

    Não creio que devamos abolir medidas objectivas de riqueza e "bem-estar económico" como o PIB ou produtividade. No entanto, quando até economistas como Alan Greenspan e Alan Krueger defendem que percepções e o bem estar subjectivo dos agentes nos podem ajudar muito a prever a evolução económica, parece uma boa ideia recolher estas medidas, ainda que subjectivas, de forma regular para complementarmos as nossas análises económicas com as preferências da sociedade e dos cidadãos. Acima de tudo, ainda temos muito para compreender nesta nova "ciência" da felicidade. Mas é preciso deitar mãos à obra e criar teorias, descobrir padrões empíricos e criar conhecimento capaz de ajudar na tomada de decisões políticas que satisfaçam as necessidades e valores da população.

    Algumas referências interessantes:


  • Gallup's World Poll - Bem-estar parte 1 - Como medir bem-estar subjectivo? (3 min.)
  • Gallup's World Poll - Bem-estar parte 2 - Felicidade e Economia (3 min.)
  • Gallup's World Poll - Bem-estar parte 3 - Porquê o bem-estar subjectivo? (3 min.)

  • Gallup - Novos indicadores económicos (3 min.)

  • Gallup - Satisfação dos Americanos - a mais baixa desde 1992 (3 min.)


  • Gallup's World Poll - Alan Greenspan acerca da importância de utilizar indicadores subjectivos de bem-estar para prever a evolução da economia (3 min.)
  • Aula do Prof. Daniel Kahneman acerca de Felicidade e da importância de a estudarmos e a relacionarmos com política pública (59 min.)
  • Veenhoven (2004), "The greatest happiness principle. Happiness as a public policy aim," in: Linley, P.A. & Joseph, S. (eds.), Positive psychology in practice, cap. 39, Edição: John Wiley, Hoboken, NJ, USA, ISBN 0471459062
  • Homepage de Ruut Veenhoven
  • Gallup's World Poll - Alan Greenspan acerca da importância de utilizar indicadores subjectivos de bem-estar para prever a evolução da economia