terça-feira, agosto 29, 2006

Excesso de escolha... fenómeno complexo!


Thanks to Livinginmonrovia for sharing this photo at http://www.flickr.com/


No seguimento do post acerca de excesso de escolha, coloquei um novo post no blog cienciamkt acerca de novos desenvolvimentos em pesquisas relacionadas com o fenómeno do excesso de escolha...

terça-feira, agosto 22, 2006

Transire Suum Pecturs Mundo que Potir

"Transcender o espírito e dominar o mundo," a frase inscrita na Medalha Fields ao lado de Arquimedes, sobreutdo a primeira parte, parece de facto ter sido o grande incentivo que levou Grigori Perelman, um dos quatro laureados com a medalha Fields, a trabalhar no sentido de provar a conjectura de Poincaré.

Como corolário do post anterior re-escrevo as palavras de Perelman ao justificar porque recusa o prémio (a Fields Medal): "(O prémio) é completamente irrelevante para mim. Qualquer pessoa entende que, se a demonstração estiver correcta, não é necessário nenhum outro reconhecimento", de acordo com esta notícia da RTP.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Incentivos - A História de Grigori Yakovlevich Perelman e a conjectura de Poincaré

Grigori Perelman, matemático russo nascido em 1966, está na origem de um feito que os matemáticos aguardavam há mais de 100 anos - provar uma conjectura feita em 1904 por Jules Henri Poincaré (na foto) - ver aqui. Poincaré propôs, nos primeiros anos do séc. XX, que se num "espaço" tridimensional conseguirmos reduzir um qualquer "loop" (um caminho de um ponto x para ele mesmo) até um ponto (sem deformar nem o espaço nem o loop), então esse espaço é uma esfera tridimensional (ver, por exemplo, artigo na Wikipedia... - pelo que entendi, de um ponto de vista topológico, fica provado que uma maçã ou uma cara são o mesmo que uma esfera...).



A descoberta tem entusiasmado matemáticos de todo o mundo (ver artigo no N.Y.Times). Perelman é o favorito para vencer a "Fields Medal" deste ano (equivalente ao Prémio Nobel da Matemática). No entanto, desde 2003, após ter publicado as primeiras pistas da prova e ter feito uma tour pelos EUA a explicá-la que Perelman desapareceu e não responde a e-mails, não dá entrevistas (ver no mesmo artigo do N.Y.Times).

A prova de que esta prova é muito importante para a matemática está num incentivo criado recentemente para quem encontrasse a solução. Preocupado com a dificuldade de resolver algumas qestões clássicas da matemática que têm resistido à solução por longos anos, o Clay Mathematics Institute introduziu, em Maio de 2000, o Millennium Prize Problems que oferece 1 milhão de dólares à primeira pessoa que resolver cada um dos problemas. A conjectura de Poincaré é um dos sete problemas seleccionados. Perelman é, assim, o mais forte candidato a um dos sete milhões de dólares. Só que nem assim Perelman decidiu aparecer... Ou seja, aparentemente, até agora, Perelman decidiu não aproveitar os mais óbvios benefícios e incentivos que poderíamos ter imaginado pudessem tê-lo levado a investir o seu cérebro e tempo a provar a famosa conjectura - prémios monetários, fama, reputação (se bem que, especulando um pouco, pode estar interessado em ficar para a história como um génio altruísta...).

Esta reacção de Perelsman é intrigante. Apesar do resultado final (independentemente de estar ou não relacionado com o incentivo mencionado) ter sido o esperado, o facto de ele ignorar os prémios levou-me a pensar na complexidade dos incentivos e, também, nos efeitos indesejados que podem ter incentivos. No seu livro "The Armchair Economist", Steven Landsburg começa com uma frase forte para sublinhar o papel dos incentivos na economia: "Most of economics can be summarized in four words 'People respond to incentives.' The rest is commentary." O problema, quando tentamos criar incentivos (para que as pessoas façam as escolhas que pretendemos) é saber escolhê-los e prever as suas consequências (tantas vezes inesperadas).

A maioria dos economistas aceitam, hoje, que os incentivos não são apenas monetários e que, em muitos casos, envolvem questões como justiça ou moral (questões que Landsburg aceita e concorda, tendo publicado até um livro sobre o tema - Fair Play: What Your Child Can Teach You About Economics, Values and the Meaning of Life). Mas histórias como a de Grigori Perelman levam-me a pensar o quão complicado é entender os incentivos que realmente fazem as pessoas agir da forma como pretendemos. O quão complexo é (tentar) evitar efeitos perversos de bem-intencionados incentivos... O problema é que, invariavelmente, quem imagina o incentivo (em modelos de agência chamado de principal) não tem informação suficiente acerca do alvo do incentivo (o agente).

Mas há mais exemplos de incentivos que viraram desincentivos... Por exemplo, uma empresa pode decidir contratar um trabalhador especializado e dar-lhe bastante autonomia para fomentar a sua criatividade e participação (o que, aliás, penso fazer sentido). O que a empresa não consegue evitar é que esta mesma autonomia (aliada ao conhecimento especializado no novo colaborador) possam criar um incentivo de segunda ordem: aproveitar a sua fantagem em termos de informação e reduzir o esforço aplicado nas suas tarefas (caso esse comportamento lhe traga utilidade)! Este problema é às vezes chamado de moral hazard (pelas suas semelhanças com efeitos adversos dos seguros no comportamento)! Atenção que, e apesar do link anterior nos direccionar para o Ludwig von Mises Institute, não estou a tentar aqui dizer que qualquer tipo de intervenção, de incentivo criado é mau e irá ter resultados perversos... (por exemplo, este artigo de Malcom Gladwell no New Yorker discute alguns pontos controversos que ilustram os perigos de sermos fundamentalistas nas nossas ideias... incluindo a obsessão de fugir do Moral Hazard).

Na minha opinião, o desafio passa por (1) aceitarmos que o comportamento humano é complexo, (2) considerarmos os problemas de uma forma aberta, aceitando diversos pontos de vista e equacionando diversos ângulos, e (3) evitarmos cair no erro de tomar decisões pensando apenas nos efeitos mais directos/óbvios dos incentivos. Porquê que escrevi este post neste bolog? Porque penso que a solução passa por uma colaboração estreita entre diversas áreas do conhecimento (por exemplo, nas ciências sociais: economia, psicologia, sociologia,...) - uma colaboração que nos pode ajudar muito na escolha dos incentivos certos, e na maneira dos apresentarmos aos "agentes"...

sexta-feira, agosto 11, 2006

Piada Americana

"Um homem viajando, de avião, sobre os Estados Unidos decide falar com o passageiro do lado, para quebrar o gelo:

- Está a ver aquelas montanhas ali em baixo? - pergunta com ar sábio - Têm 1 milhão e 4 anos de idade.

Intrigado, o vizinho pergunta-lhe como pode ele estar tão seguro da idade precisa de tais montanhas. Orgulhoso, o homem responde:

- Já não é a primeira vez que faço esta viagem! Há quatro anos, quando passava neste mesmo sítio, estava um indíviduo sentado ao meu lado, cujo passatempo favorito era a geologia, que me disse que as montanhas tinham um milhão de anos. É só fazer as contas. Hoje têm um milhão e quatro!!"


Source: Thanks to the photographer for sharing this photo here!

Aparentemente desligada desta piada está uma característica, ou um atalho de raciocínio (heuristic), típica do ser humano: ao fazermos avaliações, escolhas ou tomarmos decisões, temos a tendência de nos fixar numa âncora e ajustar (insuficientemente) as nossas previsões a partir desse ponto. Este fenómeno viola princípios basilares do conceito tradicional de utilidade. A teoria clássica assume que as preferências são independentes de pontos de referência, invariantes a variações superficiais na maneira como são apresentadas os problemas/escolhas e medidas as preferências.

Um estudo de 1974 da autoria de Amos Tversky e Daniel Kahneman (citado, de acordo com scholar.google.com por mais de 2800 outros investigadores), publicado na revista Science sob o título "Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases", testou esta hipótese pedindo aos participantes para julgarem a percentagem de países africanos nas Nações Unidas. No entanto, antes de recolher as respostas, os participantes viam uma "roda da fortuna" com números de 0 a 100 girar e, após parar num número aleatório respondiam se a percentagem de países era acima ou abaixo daquele número. Depois davam os seus palpites.

Os palpites, como demonstrado pelos autores, tinham tendência a ser muito influenciados pelo número que tinham visto na roda, apesar de ser aleatório. Diversos estudos replicaram estes resultados, por exemplo no contexto de escolhas - ver por exemplo o artigo "Coherent Arbitrariness: Stable Demand Curves Without Stable Preferences", de Dan Ariely, George Loewenstein e Drazen Prelec (Quarterly Journal of Economics, 2003).

No entanto, em pesquisas mais recentes, investigadores têm encontrado provas de que, apesar de reveleram preferências inconsistentes e dependentes do contexto (por exemplo - influenciadas por uma âncora), os humanos obedecem a princípios normativos (como os defendidos pela teoria clássica) quando tal é transparente. É isto que Ariely, Loewenstein e Prelec chamam de "Coherent Arbitrariness". Foi o que fez o passageiro na piada americana... ajustou, de acordo com as regras da aritmética, a âncora recebida 4 anos antes por parte de um "amante de geologia".

Referência

Este post foi baseado numa discussão presente no primeiro capítulo de "Advances in Behavioral Economics" de Colin F. Camerer, George Loewenstein e Matthew Rabin.
"If you would be a real seeker after truth, it is necessary that at least once in your life you doubt, as far as possible, all things."
Rene Descartes, Principles of Philosophy

quarta-feira, agosto 09, 2006

The assumption that conduct is prompt and rational is in all cases a fiction. But it proves to be sufficiently near to reality, if things have had time to hammer logic into men. Where this has happened, and within the limits in which it has happened, one may rest content with this fiction and build theories upon it.

Joseph A. Schumpeter (1934 in The Theory of Economic Development)

terça-feira, agosto 08, 2006

Quem acredita que Economia pode não ser comportamental?

“(...) num futuro não muito distante, o termo “Finanças Comportamentais” será correctamente visto como uma frase redundante. Que outro tipo de Finanças existe? No seu iluminismo, os economistas incorporarão, de forma rotineira, tanto “comportamento” nos seus modelos como aquele que observam no mundo real. Afinal, não o fazer seria irracional.”
In Thaler, Richard H. (1999), "The End of Behavioral Finance," Financial Analysts Journal, 56 (6), pp. 12-17.

“(...) tanta e tão interessante investigação poderia ser colocada sob esta designação [Economia Comportamental] que, em breve, o termo “Economia Comportamental” deixará de ser útil. É precisamente esse o objectivo! O objective não é criar uma disciplina isolada mas, antes, impôr mais disciplina psicológica na Teoria Económica que, durante muito tempo, devido aos esforços dos Economistas em apurar o tratamento Matemático da Economia, se baseou demasiado em pressupostos de capacidade de processamento ilimitada, auto-determinação e objectivos egoístas.”
In Camerer, Colin (1999), “Behavioral Economics,” American Economic Association, Newsletter of the Committee on the Status of Women in the Economics Profession, Winter
Férias e tamanho dos Posts

A avaliar pelo post anterior, as férias fizeram-me esquecer o tamanho ideal de um post num blog... algo que irei prontamente corrigir! ;)

Abraços,

NC
Já sei, vamos por ali!! A racionalidade de decidir sem pensar

Já pensou em decidir comprar um determinado apartamento menos de 5 minutos após ter entrado, pela primeira vez, naquela que seria a sua futura residência?

Este tipo de decisão parece ter tudo para ser criticada por contrariar lições que aprendemos tanto na Escola como com os nossos pais: "pensar cuidadosamente antes de tomar decisões importantes."

Num artigo provocante escrito em 2004, Ap Dijksterhuis, Prof. no Dep. de Psicologia da Universidade de Amsterdão, confessa-nos que foi mesmo assim que comprou o seu apartamento. E explica. Quando os nossos Pais concluem os seus conselhos dizendo para "dormirmos sobre o assunto" eles estão a apelar a um segundo tipo de raciocínio (em alternativa à deliberação consciente de toda a informação disponível). Este raciocínio caracteriza-se por ser inconsciente e, segundo ele, muito mais eficaz mas, sobretudo, eficiente na tomada de decisões complexas.

O pensamento não é novo, como aliás reflecte a citação que abre o seu artigo, atribuída a Sigmund Freud:

"When making a decision of minor importance, I have always found it advantageous to consider all the pros and cons. In vital matters however...the decision should come from the unconscious, from somewhere within ourselves."

O raciocínio consciente compreende processos cognitivos (ou afectivos) relevantes para a decisão que utilizamos de forma consciente. Isto consome recursos cognitivos que são limitados. Por outro lado, no pensamento inconsciente, estes processos têm lugar de uma forma que escapa à nossa consciência, o que liberta imensos recursos. É esta parcimónia que se transforma na mais-valia do raciocínio inconsciente ao serviço da tomada de decisões complexas.

No entanto, isto não quer, segundo Ap Dijksterhuis, dizer que devemos tomar as decisões de imediato. Estes processos inconscientes também precisam de tempo para tratar o problema e proporcionar a solução e, por outro lado, necessitam que a decisão seja algo familiar para o decisor. Quanto mais familiar fôr a situação, menos tempo a intuição do decisor irá necessitar para chegar a uma decisão.

Ideia semelhante é advogada por Malcom Gladwell no seu best-seller Blink. Gladwell, no entanto, defende claramente que as decisões instantâneas são muitas vezes superiores aquelas baseadas em análises prolongadas e racionais.

Leigh Buchanan e Andrew O'Connell, num iluminado passeio por mais de 25 séculos de história da "Tomada de Decisão" ('A Brief History of Decision Making', Harvard Business Review, Janeiro 2006), concluem que a dicotomia entre intuição (ou coração) e razão é importante e que, mais uma vez, dependendo do tipo de decisão, a virtude está, normalmente, numa combinação de ambas as formas de pensar e não numa fé fundamentalista numa das duas.

No tempo da "Evidence Based Medicine" e da "Evidence Based Management", de facto, poucos decisores se darão ao luxo de ignorar boa informação. No entanto, haverão decisões onde essa informação não está disponível ou é tanta que se torna difícil de processar. Neste caso, é frequente ouvirmos gestores, médicos ou amigos nossos admitirem que tiveram de seguir o seu próprio instinto. E entre a maioria dos investigadores que comparam intuição e razão (ou modelos), parece haver consenso de que ambas as partes são muito importantes. (Por exemplo, Robert Blattberg e Stephen Hoch, num artigo influente publicado na Management Science em 1990, intitulado exactamente "Database models and managerial intuition: 50% model +50% manager" defendem que existem boas razões para conjugar razão e intuição na tomada de complexas decisões de Gestão.)

O segredo deverá estar, assim, em treinarmos o nosso instinto para que este seja eficaze e eficiente na análise das complexas decisões que ocupam a nossa vida pessoal e profissional...

Concluo com o último parágrafo de Leigh Buchanan e Andrew O'Connell (que citam também Peter Senge, nomeado o estratega do século pelo Journal of Business Strategy):

"In The Fifth Discipline, Peter Senge elegantly sums up the holistic approach:
'People with high levels of personal mastery...cannot afford to choose between reason and intuition, or head and heart, any more than they would choose to walk on one leg or see with one eye.'

A blink, after all, is easier when you use both eyes. And so is a long, penetrating stare."