sexta-feira, novembro 17, 2006

Milton Friedman (1912-2006)

Há bastante tempo que não colocava aqui um post... tenho tido pouco tempo. No entanto, decidi colocar hoje um pequeno post em memória do Prof. Milton Friedman, que faleceu ontem, em San Francisco. Um gigante da Economia, Friedman pertenceu a uma "família académica" de notáveis. Em 1976 recebeu o Prémio Nobel em Ciências Económicas, apenas 5 anos após o seu supervisor, Simon Kuznets, ter recebido esse mesmo prémio. Alguns anos mais tarde um dos seus alunos de Doutoramento, Gary Becker, recebeu também o prémio Nobel (1992).

Sendo um dos responsáveis pela conotação, no que toca à orientação em termos de política económica, da Universidade de Chicago, Friedman desempenhou um papel crucial ao defender uma visão alternativa aos intervencionistas Keynesianos.

Friedman também é frequentemente ligado ao debate sobre a validade da visão comportamental da Economia. De facto, a visão epistemológica avançada por Friedman em 1953 no livro "The Methodology of Positive Economics", é frequentemente utilizada para fundamentar o recurso a pressupostos que se tornam úteis exactamente por serem simples e, necessariamente, pouco realistas...

Numa famosa passagem Friedman escreve:

"In so far as a theory can be said to have “assumptions” at all, and in so far as their “realism” can be judged independently of the validity of predictions, the relation between the significance of a theory and the “realism” of its ‘assumptions” is almost the opposite of that suggested by the view under criticism. Truly important and significant hypotheses will be found to have “assumptions” that are wildly inaccurate descriptive representations of reality, and, in general, the more significant the theory, the more unrealistic the assumptions (in this sense). The reason is simple. A hypothesis is important if it “explains” much by little, that is, if it abstracts the common and crucial elements from the mass of complex and detailed circumstances surrounding the phenomena to be explained and permits valid predictions on that basis of them alone. To be important, therefore, a hypothesis must be descriptively false in its assumptions; it takes account of, and accounts for, none of the many other attendant circumstances, since it is very success shows them to be irrelevant for the phenomena to be explained."

A visão é controversa, o que prova que tem potencial para ser convincente.

O debate continua. Recentemente, o Prof. Ariel Rubinstein (Univ. Tel Aviv / NYU) publicou um artigo na Econometrica em que aborda dilemas filosóficos relacionados com o papel de um Economista teórico, dos pressupostos nos modelos económicos... é um ensaio fabuloso que pode ser lido aqui:

http://arielrubinstein.tau.ac.il/papers/74.pdf, ou procurando a referência:

  • Rubinstein, A. (2006):"Dillemas of an Economic Theorist," Econometrica, 74 (4), 865-883
  • sexta-feira, outubro 27, 2006

    De principatibus novis qui armis propris et virtute acquiruntur

    (dos principados novos que se conquistam virtuosamente com armas próprias)

    "...os homens trilham, quase sempre, as estradas percorridas por outros, procedendo nas suas acções por imitação..."
    Nicolau Maquiavel (1514) em "O Príncipe"

    terça-feira, setembro 26, 2006

    Emoções na base da Tomada de Decisão

    Excerto de uma entrevista com o Prof. António DAmásio em que ele sublinha a base emocional da tomada de decisão e duas visões distintas de como podemos controlar as emoções (e o nosso comportamento, as nossas escolhas):

    (1) a perspectiva de Kant - todos temos uma capacidade de pensar de forma livre e autónoma - de acordo com princípios morais racionais - e de controlar as nossas emoções.

    (2) a perspectiva de David Hume e Spinoza que davam um papel mais preponderante às emoções (portanto, a razão não pode sistematicamente contrariar as emoções). Segundo Spinoza, o caminho para controlarmos o nosso comportamento (e sermos livres ou autónomos) passa por conhecermos as nossas emoções e contrariarmos emoções negativas com emoções positivas mais fortes. Hume, que defendia que não podemos fazer julgamentos morais baseados apenas na razão, propôs que os princípios morais devem ser explicados através da utilidade (satisfação) a que dão origem (ideias que terão influenciado significativamente Adam Smith, Jeremy Bentham e o próprio Kant).



    Mais informação e outros artigos muito interessantes podem ser vistos no site de Eduardo Punset Casals, o entrevistador, advogado e economista e professor na ESADE e no Instituto de Empresa.
    Será que a psicologia consegue bater o mercado?



    Quando, a 23 de Junho de 1999, a empresa norte-americana Ariba, cotada no NASDAQ, fechava a 135 dólares por acção, poucos investidores devem ter antecipado que, em apenas um ano, o preço iria quase triplicar, ultrapassando os 530 dólares. No entanto, nem o fabuloso aumento de 293% fez os investidores desconfiar da sustentabilidade de tal subida. Animados pela maré de ganhos, mais e mais investidores decidiram investir em empresas como a ARIBA. Na sexta-feira 22 de Setembro de 2000 a ARIBA fechava com uma espantosa cotação de 1012.52 dólares (ou seja 6.5 vezes os 135 dólares de 23 de Junho de 1999). Todavia, na Segunda-feira seguinte, 25 de Setembro de 2000, a cotação fechou a perder 2.5% face à Sexta anterior, nos $988.16. No final dessa semana, a 29 de Setembro de 2000, a sua cotação era já de $859.64, uma desvalorização de 15% face à semana anterior (e uma perda de $152.88 por acção). Era o início de uma queda vertiginosa que só daria sinais de abrandamento quase um ano depois. Para desespero de muitos investidores, a 21 de Setembro de 2001 a ARIBA cotava-se a $12.24, uma desvalorização de 98.6% face ao ao seu máximo, um ano antes. [estas cotações diárias podem ser consultadas em http://finance.yahoo.com/q?s=ARBA].

    Este cenário passou-se com muitas outras empresas (em diferentes escalas) nos anos 2000 e 2001, no que ficou conhecido como a bolha do NASDAQ. O economista de Chicago Richard Thaler, por exemplo, utiliza esta evidência para suportar a ideia (que ele defende desde o início dos anos 90) de que os mercados financeiros não são eficientes devido a atitudes irracionais de (certos) investidores (por exemplo sobre-optimismo em períodos de ascenção e imitação excessiva de outros, contrariando informação e intuição privadas). Mais, segundo os economistas comportamentais, alguns destes comportamentos são sistemáticos, logo, previsíveis. Nesse caso essas previsões podem ser utilizadas para "bater o mercado".

    Os acontecimentos dos anos 2000 e 2001 vieram reacender o debate acerca da eficiência dos mercados financeiros. Thaler e Eugene Fama, autor da teoria dos mercados eficientes, esgrimiram (e esgrimem) argumentos a favor e contra a eficiência dos mercados financeiros (ver por exemplo este artigo, publicado a 18 de Outubro de 2004 no Wall Street Journal, acerca do aceso debate). Fama continua a defender a eficiência dos mercados financeiros (ainda que não na sua forma mais pura que, segundo ele, é apenas uma forma de estruturar o pensamente recorrendo a um argumento válido, na linha de Milton Friedman**). Thaler, por seu lado, continua a acreditar na sua ineficiência. Ambos tentam ganhar dinheiro. Um apostando no mercado, o outro tentando bater o mercado.

    Aceite-se ou não a eficiência e racionalidade (em média) dos mercados, não me parece, de todo, descabido considerarmos teorias comportamentais acerca da psicologia do investidor para explicar alguns dos "mistérios" dos mercados financeiros. Ainda que em média as variações dos mercados financeiros possam ser imprevisíveis, parece haver alguma margem para a identificação de padrões previsíveis (em parte) devido a comportamentos típicos dos investidores.

    Recentemente, por exemplo, a "bolha" do ano 2000 tem sido apontada como origem da falta de liquidez nos mercados financeiros mesmo perante recentes perspectivas de recuperação económica. Neste pequeno artigo, por exemplo, Tim Hanson, do site "The Motley Fool", apelou, numa rubrica de investimento, ao regresso às acções... Para explicar a falta de entusiasmo actual, Hanson recorreu a teorias popularizadas por Daniel Kahneman (e Amos Tversky) acerca da aversão a perdas - a desilusão criada por perdas é mais dura que a utilidade retirada de ganhos da mesma magnitude... Esta aversão parece ser uma boa explicação para o facto dos investidores terem decidido refugiar-se (alguns definitivamente...) em activos menos arriscados!! Aparentemente, a aversão a perdas pode estar a potenciar uma aversão ao risco sub-óptima (ou sub-racional...)!

    Mas será que esta e outras "anomalias" do nosso raciocínio são tão sistemáticos que podem ser, até certo ponto, previstos? Isso é outra questão... Richard Thaler e Russell Fuller acreditam que sim... de tal forma que criaram a Fuller & Thaler que, como se pode ler aqui (no seu site) tenta "bater o mercado" capitalizando em ineficiências do mercado que resultam de limitações cognitivas dos investidores.


    “In their enlightenment, economists will routinely incorporate as much
    ‘behavior’ into their models as they observe in the real world. After all, to
    do otherwise would be irrational”

    Richard Thaler (1999, conclusão do artigo “The end of behavioral finance”, Financial Analysts Journal, 55, pp. 12-17)

    ** - No livro Essays in Positive Economics, publicado inicialmente pela University Chicago Press em 1953, Milton Friedman defende, na pág. 14, que teorias e modelos devem ser julgados pelas previsões que fazem e não pela validade dos seus pressupostos - aliás, as teorias mais significativas tendem a ter, segundo ele, pressupostos menos realistas pois conseguiram focar-se nos aspectos realmente importantes da realidade simplificando tudo o resto... O problema é quando o critério da previsão falha, isto é, quando previsões feitas por determinada teoria não correspondem à realidade... Uma distinção crucial a ter em conta, no entanto, é o objectivo final da teoria - prever/explicar comportamentos (teoria positiva - requer precisão nas previsões) vs. determinar o que seria óptimo (teoria normativa - não necessariamente realista) - ver por exemplo discussão em "The Methodology of Positive Economics", no início do mesmo livro de Friedman.

    sexta-feira, setembro 15, 2006

    Economia Comportamental e Neuroeconomia na New Yorker

    Sai na edição de Segunda-feira, 18/09, da New Yorker, uma interessante viagem pelo mundo da Economia Comportamental e Neuroeconomia escrita pelo jornalista económico John Cassidy, autor do livro dot.con, recomendado por John Kenneth Galbraith.

    Penso que vale bem a pena ler em: http://www.newyorker.com/printables/fact/060918fa_fact.

    sexta-feira, setembro 01, 2006

    Simian Economics - O que os macacos nos podem ensinar acerca de Economia


    Source: Thanks to R. Motti for sharing this photo in Flickr.com

    Com o objectivo de estudar as causas(/origens) do comportamento económico (nomeadamente a aversão ao risco), Keith Chen, da Yale School of Management, que se considera um economista comportamental, recorre a experiências com macacos Cebus apella.

    Depois de "ensinarem" aos macacos como funciona uma "economia de mercado", Chen e a sua equipa descobriram que os macacos demonstram aversão a perdas aparentes (e não reais, em termos económicos). Ou seja, os macacos demonstram aversão relativamente a opções com o potencial de gerar perdas aparentes, ainda que o valor esperado destas opções seja igual ao de outras "menos arriscadas".

    O facto de perdas serem mais salientes que os ganhos (em termos de percepção de utilidade) tem sido bastante discutido entre economistas, sobretudo desde que Kahneman e Tversky publicaram o famoso artigo que introdziu a "Prospect Theory" (Econometrica 1979). Aparentemente, o facto de ser importante incorporar pontos de referência em teorias de utilidade parece ter uma explicação biológica. Chen especula que, para um animal selvagem, o desespero (desutilidade devido à fome) resultante não recolher a quantidade de comida esperada (a sua referência) é sentido de forma muito mais forte do que a satisfação de ter mais do que suficiente para sobreviver e, num bom dia, o animal se sentir saciado.

    A descoberta da agricultura mudou, de forma dramática, as necessidades, prioridades e preferências dos seres humanos. No entanto, aparentemente, o homo economicus ainda mantém alguns traços em comum com o Cebus Economicus... (algo que investigadores nas áreas de neurologia, tomada de decisão e neuro-economia, tentam relacionar com a evolução do nosso cérebro, o papel das emoções...)!!

  • Fonte: ver este artigo de Julho 2005 no Economist.
  • terça-feira, agosto 29, 2006

    Excesso de escolha... fenómeno complexo!


    Thanks to Livinginmonrovia for sharing this photo at http://www.flickr.com/


    No seguimento do post acerca de excesso de escolha, coloquei um novo post no blog cienciamkt acerca de novos desenvolvimentos em pesquisas relacionadas com o fenómeno do excesso de escolha...

    terça-feira, agosto 22, 2006

    Transire Suum Pecturs Mundo que Potir

    "Transcender o espírito e dominar o mundo," a frase inscrita na Medalha Fields ao lado de Arquimedes, sobreutdo a primeira parte, parece de facto ter sido o grande incentivo que levou Grigori Perelman, um dos quatro laureados com a medalha Fields, a trabalhar no sentido de provar a conjectura de Poincaré.

    Como corolário do post anterior re-escrevo as palavras de Perelman ao justificar porque recusa o prémio (a Fields Medal): "(O prémio) é completamente irrelevante para mim. Qualquer pessoa entende que, se a demonstração estiver correcta, não é necessário nenhum outro reconhecimento", de acordo com esta notícia da RTP.

    quinta-feira, agosto 17, 2006

    Incentivos - A História de Grigori Yakovlevich Perelman e a conjectura de Poincaré

    Grigori Perelman, matemático russo nascido em 1966, está na origem de um feito que os matemáticos aguardavam há mais de 100 anos - provar uma conjectura feita em 1904 por Jules Henri Poincaré (na foto) - ver aqui. Poincaré propôs, nos primeiros anos do séc. XX, que se num "espaço" tridimensional conseguirmos reduzir um qualquer "loop" (um caminho de um ponto x para ele mesmo) até um ponto (sem deformar nem o espaço nem o loop), então esse espaço é uma esfera tridimensional (ver, por exemplo, artigo na Wikipedia... - pelo que entendi, de um ponto de vista topológico, fica provado que uma maçã ou uma cara são o mesmo que uma esfera...).



    A descoberta tem entusiasmado matemáticos de todo o mundo (ver artigo no N.Y.Times). Perelman é o favorito para vencer a "Fields Medal" deste ano (equivalente ao Prémio Nobel da Matemática). No entanto, desde 2003, após ter publicado as primeiras pistas da prova e ter feito uma tour pelos EUA a explicá-la que Perelman desapareceu e não responde a e-mails, não dá entrevistas (ver no mesmo artigo do N.Y.Times).

    A prova de que esta prova é muito importante para a matemática está num incentivo criado recentemente para quem encontrasse a solução. Preocupado com a dificuldade de resolver algumas qestões clássicas da matemática que têm resistido à solução por longos anos, o Clay Mathematics Institute introduziu, em Maio de 2000, o Millennium Prize Problems que oferece 1 milhão de dólares à primeira pessoa que resolver cada um dos problemas. A conjectura de Poincaré é um dos sete problemas seleccionados. Perelman é, assim, o mais forte candidato a um dos sete milhões de dólares. Só que nem assim Perelman decidiu aparecer... Ou seja, aparentemente, até agora, Perelman decidiu não aproveitar os mais óbvios benefícios e incentivos que poderíamos ter imaginado pudessem tê-lo levado a investir o seu cérebro e tempo a provar a famosa conjectura - prémios monetários, fama, reputação (se bem que, especulando um pouco, pode estar interessado em ficar para a história como um génio altruísta...).

    Esta reacção de Perelsman é intrigante. Apesar do resultado final (independentemente de estar ou não relacionado com o incentivo mencionado) ter sido o esperado, o facto de ele ignorar os prémios levou-me a pensar na complexidade dos incentivos e, também, nos efeitos indesejados que podem ter incentivos. No seu livro "The Armchair Economist", Steven Landsburg começa com uma frase forte para sublinhar o papel dos incentivos na economia: "Most of economics can be summarized in four words 'People respond to incentives.' The rest is commentary." O problema, quando tentamos criar incentivos (para que as pessoas façam as escolhas que pretendemos) é saber escolhê-los e prever as suas consequências (tantas vezes inesperadas).

    A maioria dos economistas aceitam, hoje, que os incentivos não são apenas monetários e que, em muitos casos, envolvem questões como justiça ou moral (questões que Landsburg aceita e concorda, tendo publicado até um livro sobre o tema - Fair Play: What Your Child Can Teach You About Economics, Values and the Meaning of Life). Mas histórias como a de Grigori Perelman levam-me a pensar o quão complicado é entender os incentivos que realmente fazem as pessoas agir da forma como pretendemos. O quão complexo é (tentar) evitar efeitos perversos de bem-intencionados incentivos... O problema é que, invariavelmente, quem imagina o incentivo (em modelos de agência chamado de principal) não tem informação suficiente acerca do alvo do incentivo (o agente).

    Mas há mais exemplos de incentivos que viraram desincentivos... Por exemplo, uma empresa pode decidir contratar um trabalhador especializado e dar-lhe bastante autonomia para fomentar a sua criatividade e participação (o que, aliás, penso fazer sentido). O que a empresa não consegue evitar é que esta mesma autonomia (aliada ao conhecimento especializado no novo colaborador) possam criar um incentivo de segunda ordem: aproveitar a sua fantagem em termos de informação e reduzir o esforço aplicado nas suas tarefas (caso esse comportamento lhe traga utilidade)! Este problema é às vezes chamado de moral hazard (pelas suas semelhanças com efeitos adversos dos seguros no comportamento)! Atenção que, e apesar do link anterior nos direccionar para o Ludwig von Mises Institute, não estou a tentar aqui dizer que qualquer tipo de intervenção, de incentivo criado é mau e irá ter resultados perversos... (por exemplo, este artigo de Malcom Gladwell no New Yorker discute alguns pontos controversos que ilustram os perigos de sermos fundamentalistas nas nossas ideias... incluindo a obsessão de fugir do Moral Hazard).

    Na minha opinião, o desafio passa por (1) aceitarmos que o comportamento humano é complexo, (2) considerarmos os problemas de uma forma aberta, aceitando diversos pontos de vista e equacionando diversos ângulos, e (3) evitarmos cair no erro de tomar decisões pensando apenas nos efeitos mais directos/óbvios dos incentivos. Porquê que escrevi este post neste bolog? Porque penso que a solução passa por uma colaboração estreita entre diversas áreas do conhecimento (por exemplo, nas ciências sociais: economia, psicologia, sociologia,...) - uma colaboração que nos pode ajudar muito na escolha dos incentivos certos, e na maneira dos apresentarmos aos "agentes"...

    sexta-feira, agosto 11, 2006

    Piada Americana

    "Um homem viajando, de avião, sobre os Estados Unidos decide falar com o passageiro do lado, para quebrar o gelo:

    - Está a ver aquelas montanhas ali em baixo? - pergunta com ar sábio - Têm 1 milhão e 4 anos de idade.

    Intrigado, o vizinho pergunta-lhe como pode ele estar tão seguro da idade precisa de tais montanhas. Orgulhoso, o homem responde:

    - Já não é a primeira vez que faço esta viagem! Há quatro anos, quando passava neste mesmo sítio, estava um indíviduo sentado ao meu lado, cujo passatempo favorito era a geologia, que me disse que as montanhas tinham um milhão de anos. É só fazer as contas. Hoje têm um milhão e quatro!!"


    Source: Thanks to the photographer for sharing this photo here!

    Aparentemente desligada desta piada está uma característica, ou um atalho de raciocínio (heuristic), típica do ser humano: ao fazermos avaliações, escolhas ou tomarmos decisões, temos a tendência de nos fixar numa âncora e ajustar (insuficientemente) as nossas previsões a partir desse ponto. Este fenómeno viola princípios basilares do conceito tradicional de utilidade. A teoria clássica assume que as preferências são independentes de pontos de referência, invariantes a variações superficiais na maneira como são apresentadas os problemas/escolhas e medidas as preferências.

    Um estudo de 1974 da autoria de Amos Tversky e Daniel Kahneman (citado, de acordo com scholar.google.com por mais de 2800 outros investigadores), publicado na revista Science sob o título "Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases", testou esta hipótese pedindo aos participantes para julgarem a percentagem de países africanos nas Nações Unidas. No entanto, antes de recolher as respostas, os participantes viam uma "roda da fortuna" com números de 0 a 100 girar e, após parar num número aleatório respondiam se a percentagem de países era acima ou abaixo daquele número. Depois davam os seus palpites.

    Os palpites, como demonstrado pelos autores, tinham tendência a ser muito influenciados pelo número que tinham visto na roda, apesar de ser aleatório. Diversos estudos replicaram estes resultados, por exemplo no contexto de escolhas - ver por exemplo o artigo "Coherent Arbitrariness: Stable Demand Curves Without Stable Preferences", de Dan Ariely, George Loewenstein e Drazen Prelec (Quarterly Journal of Economics, 2003).

    No entanto, em pesquisas mais recentes, investigadores têm encontrado provas de que, apesar de reveleram preferências inconsistentes e dependentes do contexto (por exemplo - influenciadas por uma âncora), os humanos obedecem a princípios normativos (como os defendidos pela teoria clássica) quando tal é transparente. É isto que Ariely, Loewenstein e Prelec chamam de "Coherent Arbitrariness". Foi o que fez o passageiro na piada americana... ajustou, de acordo com as regras da aritmética, a âncora recebida 4 anos antes por parte de um "amante de geologia".

    Referência

    Este post foi baseado numa discussão presente no primeiro capítulo de "Advances in Behavioral Economics" de Colin F. Camerer, George Loewenstein e Matthew Rabin.
    "If you would be a real seeker after truth, it is necessary that at least once in your life you doubt, as far as possible, all things."
    Rene Descartes, Principles of Philosophy

    quarta-feira, agosto 09, 2006

    The assumption that conduct is prompt and rational is in all cases a fiction. But it proves to be sufficiently near to reality, if things have had time to hammer logic into men. Where this has happened, and within the limits in which it has happened, one may rest content with this fiction and build theories upon it.

    Joseph A. Schumpeter (1934 in The Theory of Economic Development)

    terça-feira, agosto 08, 2006

    Quem acredita que Economia pode não ser comportamental?

    “(...) num futuro não muito distante, o termo “Finanças Comportamentais” será correctamente visto como uma frase redundante. Que outro tipo de Finanças existe? No seu iluminismo, os economistas incorporarão, de forma rotineira, tanto “comportamento” nos seus modelos como aquele que observam no mundo real. Afinal, não o fazer seria irracional.”
    In Thaler, Richard H. (1999), "The End of Behavioral Finance," Financial Analysts Journal, 56 (6), pp. 12-17.

    “(...) tanta e tão interessante investigação poderia ser colocada sob esta designação [Economia Comportamental] que, em breve, o termo “Economia Comportamental” deixará de ser útil. É precisamente esse o objectivo! O objective não é criar uma disciplina isolada mas, antes, impôr mais disciplina psicológica na Teoria Económica que, durante muito tempo, devido aos esforços dos Economistas em apurar o tratamento Matemático da Economia, se baseou demasiado em pressupostos de capacidade de processamento ilimitada, auto-determinação e objectivos egoístas.”
    In Camerer, Colin (1999), “Behavioral Economics,” American Economic Association, Newsletter of the Committee on the Status of Women in the Economics Profession, Winter
    Férias e tamanho dos Posts

    A avaliar pelo post anterior, as férias fizeram-me esquecer o tamanho ideal de um post num blog... algo que irei prontamente corrigir! ;)

    Abraços,

    NC
    Já sei, vamos por ali!! A racionalidade de decidir sem pensar

    Já pensou em decidir comprar um determinado apartamento menos de 5 minutos após ter entrado, pela primeira vez, naquela que seria a sua futura residência?

    Este tipo de decisão parece ter tudo para ser criticada por contrariar lições que aprendemos tanto na Escola como com os nossos pais: "pensar cuidadosamente antes de tomar decisões importantes."

    Num artigo provocante escrito em 2004, Ap Dijksterhuis, Prof. no Dep. de Psicologia da Universidade de Amsterdão, confessa-nos que foi mesmo assim que comprou o seu apartamento. E explica. Quando os nossos Pais concluem os seus conselhos dizendo para "dormirmos sobre o assunto" eles estão a apelar a um segundo tipo de raciocínio (em alternativa à deliberação consciente de toda a informação disponível). Este raciocínio caracteriza-se por ser inconsciente e, segundo ele, muito mais eficaz mas, sobretudo, eficiente na tomada de decisões complexas.

    O pensamento não é novo, como aliás reflecte a citação que abre o seu artigo, atribuída a Sigmund Freud:

    "When making a decision of minor importance, I have always found it advantageous to consider all the pros and cons. In vital matters however...the decision should come from the unconscious, from somewhere within ourselves."

    O raciocínio consciente compreende processos cognitivos (ou afectivos) relevantes para a decisão que utilizamos de forma consciente. Isto consome recursos cognitivos que são limitados. Por outro lado, no pensamento inconsciente, estes processos têm lugar de uma forma que escapa à nossa consciência, o que liberta imensos recursos. É esta parcimónia que se transforma na mais-valia do raciocínio inconsciente ao serviço da tomada de decisões complexas.

    No entanto, isto não quer, segundo Ap Dijksterhuis, dizer que devemos tomar as decisões de imediato. Estes processos inconscientes também precisam de tempo para tratar o problema e proporcionar a solução e, por outro lado, necessitam que a decisão seja algo familiar para o decisor. Quanto mais familiar fôr a situação, menos tempo a intuição do decisor irá necessitar para chegar a uma decisão.

    Ideia semelhante é advogada por Malcom Gladwell no seu best-seller Blink. Gladwell, no entanto, defende claramente que as decisões instantâneas são muitas vezes superiores aquelas baseadas em análises prolongadas e racionais.

    Leigh Buchanan e Andrew O'Connell, num iluminado passeio por mais de 25 séculos de história da "Tomada de Decisão" ('A Brief History of Decision Making', Harvard Business Review, Janeiro 2006), concluem que a dicotomia entre intuição (ou coração) e razão é importante e que, mais uma vez, dependendo do tipo de decisão, a virtude está, normalmente, numa combinação de ambas as formas de pensar e não numa fé fundamentalista numa das duas.

    No tempo da "Evidence Based Medicine" e da "Evidence Based Management", de facto, poucos decisores se darão ao luxo de ignorar boa informação. No entanto, haverão decisões onde essa informação não está disponível ou é tanta que se torna difícil de processar. Neste caso, é frequente ouvirmos gestores, médicos ou amigos nossos admitirem que tiveram de seguir o seu próprio instinto. E entre a maioria dos investigadores que comparam intuição e razão (ou modelos), parece haver consenso de que ambas as partes são muito importantes. (Por exemplo, Robert Blattberg e Stephen Hoch, num artigo influente publicado na Management Science em 1990, intitulado exactamente "Database models and managerial intuition: 50% model +50% manager" defendem que existem boas razões para conjugar razão e intuição na tomada de complexas decisões de Gestão.)

    O segredo deverá estar, assim, em treinarmos o nosso instinto para que este seja eficaze e eficiente na análise das complexas decisões que ocupam a nossa vida pessoal e profissional...

    Concluo com o último parágrafo de Leigh Buchanan e Andrew O'Connell (que citam também Peter Senge, nomeado o estratega do século pelo Journal of Business Strategy):

    "In The Fifth Discipline, Peter Senge elegantly sums up the holistic approach:
    'People with high levels of personal mastery...cannot afford to choose between reason and intuition, or head and heart, any more than they would choose to walk on one leg or see with one eye.'

    A blink, after all, is easier when you use both eyes. And so is a long, penetrating stare."

    sexta-feira, junho 02, 2006

    "The test of a first rate intelligence is the ability to
    hold two opposed ideas in the mind at the same
    time and still retain the ability to function."

    Francis Scott Fitzgerald (1896-1940), Escritor Americano em "The Crackup" (1936)

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    sábado, maio 13, 2006

    O centro de todas decisões - o cérebro...

    Cada vez mais investigadores tentam perceber o papel do cérebro, e das suas diferentes "regiões", no processo de tomada de decisão, mesmo em termos de decisões Económicas (ver, por exemplo, artigo de Colin Camerer, George Loewenstein e Drazen Prelec, ou este livro de Paul W. Glimcher, o trabalho de António Damásio e Antoine Bechara, entre outros).

    Aqui está uma forma divertida para aprender ver quais são as diferentes regiões do nosso cérebro:




    Source: Thanks to Colin Jennings for sharing this video in youtube.com

    sexta-feira, maio 12, 2006

    As Decisões no Cérebro Humano - 2 "Sistemas" para tomarmos decisões - Intuição e Análise

    Em 1996, Steven A. Sloman publicou um artigo - The empirical case for two systems of reasoning (Psychological Bulletin 1996) - em que, de forma intuitiva , associou diversos contributos e argumentou em favor de uma teoria de tomada de decisão em que dois tipos de raciocínio respondem (por vezes de maneira diferente) aos estímulos criados por uma decisão, e interagem, guiando as nossas decisões...

    Compreender a relação entre estes dois "sistemas" tem sido crucial no desenvolvimento de novos modelos de tomada de decisão que consigam explicar, por exemplo, questões como arrependimento e auto-controlo (por exemplo, porquê que, demasiadas vezes, nos comportamos de forma que pode atentar contra os nossos objectivos longo prazo - apenas por um momento de prazer, ou utilidade).

    Reproduzo, abaixo, um excerto do artigo "The Marketplace of Perceptions", onde Prof. de Economia David Laibson, da Universidade de Harvard, procura explicar este processo a um nível neurológico:

    Economists specialize in taking really complex things and boiling them down to simple principles,” says David Laibson. “So, rather than treat the brain as billions of neurons, or trillions of neurotransmitters, we want to ask, what is the right level of analysis? It turns out that the brain has two key subsystems. One, the limbic and paralimbic system, rules the intuitive and affective parts of our psyches. It’s shared by all mammals and seems to do a lot of emotional cognition—how we feel emotionally, how we respond to other humans, or to being treated unfairly. This system seems to function unconsciously; we don’t have access to it and maybe can’t even control it. It’s experiential and rapid in function.

    “Contrast that with the analytic system, centered in the frontal and parietal cortexes,” Laibson continues. “It controls a lot of the thought processes we learn to do: calculated, conscious, future-oriented thinking. It’s not based on past experience; you could have the rules of a brand-new game explained and the analytic system would be able to figure out how to play.”

    Brain researchers have shown that an interaction of the limbic and analytic systems governs human decision-making. The limbic system seems to radically discount the future. While the analytic system’s role remains constant from the present moment onward, the limbic system assumes overriding importance in the present moment, but rapidly recedes as rewards move into the future and the emotional brain reduces its activation. This explains impulsiveness: the slice of pizza that’s available right now trumps the dietary plan that the analytic brain has formulated. Seizing available rewards now might be a response pattern with evolutionary advantages, as future benefits are always uncertain.

    domingo, maio 07, 2006

    “Ferdinando Galiani (Della moneta, 1750) defined utilità as ‘the power of a thing to procure us felicity.’ Similarly, Jeremy Bentham at first spoke of utility as ‘that property in any object, whereby it tends to produce benefit, advantage, pleasure, good or happiness’ (An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, 1780). But the meaning of the term has shifted continuously and even today ‘utility’ circulates with various, albeit cognate, connotations. By referring to the principle of utility as the principle of the greatest happiness of the greatest number, Bentham himself paved the way for this terminological license. The ensuing confusion prompted W. Stanley Jevons to insist that ‘Utility is not an Intrinsic Quality,’ but ‘the sum of the pleasure created and the pain prevented’ (The Theory of Political Economy, 1871).” (N. Georgescu Roegen, Dictionary of the history of economic ideas)

    Também citado em: Egidi, Massimo (2005), "From Bounded Rationality to Behavioral Economics," CEEL - University of Trento
    “In principle, utility, be it total or marginal, was considered a psychic reality, a sensation that became evident from introspection, independent of any external observation […] with directly measurable proportions. I believe this was Menger and Böhm-Bawerk’s opinion”

    in: Schumpeter J. A. (1954), History of Economic Analysis, London, George Allen and Unwin.

    sexta-feira, maio 05, 2006

    Mais um artigo que aborda a história (recente) da Economia Comportamental - "The Marketplace of Perceptions" - Harvard Magazine, March-April 2006.
    Libertarian Paternalism



    Photo Source: Thanks to Todd Klassy for making this photo available in Flickr.com

    Apesar de todas as interessantes descobertas da Economia Comportamental, existem alguns riscos associados a recomendações políticas feitas a partir desta abordagem. Um artigo do Economist ("The new paternalism - The avuncular state", Economist 6/04/2006) não critica a relevância das anomalias documentadas pelos Ecomistas Comportamentais mas, no entanto, alerta para a tentação de propôr formas "paternalistas" de salvar os cidadãos dos seus erros (dando como exemplos o caso da escolha das pensões dos trabalhadores, entre outros). Mas este é um paternalismo liberal que deve manter as liberdades dos indíviduos, apenas usar previsões dos seus erros sistemáticos para melhorar as suas decisões.

    Citando o artigo:

    "Should liberals object to schemes of this kind? Perhaps not. By helping people to make forward-looking decisions for themselves that they cannot easily renege on later, they enlarge their freedom, making it possible for them to do things they otherwise could not do. Giving Ulysses the rope with which to lash himself to the mast adds to his choices."


    No entanto, alguns Economistas (ver, por exemplo, Cato Institute) duvidam dos benefícios de intervenção governamental em favor do "nosso decisor de longo prazo" e contra as nossas "vontades de curto prazo". Importa, no entanto, referir que, ainda com riscos associados, o Libertarian Paternalism é bem mais liberal que grande parte das decisões políticas Europeias e mesmo Norte-Americanas. Por exemplo, um Economista Comportamental sugerirá maneiras de parafrasear uma mensagem (por exemplo um médico dizer a um paciente que 90% dos doentes sobrevivem a certa intervenção versus 10% falecem pode ter efeitos muito grandes), mas, na minha opinião, baseado apenas na teoria não sugerirá jamais demasiadas proibições a fumar... são outros os fundamentos que motivam essa regulação.

    Algumas destas ideias têm sido adoptadas, por exemplo, nas campanhas e políticas anti-tabaco. Edward Glaeser alerta para alguns riscos do que ele prefere chamar "paternalismo suave" (ver "Paternalism and Psychology"), nomeadamente, a criação de impostos psicológicos que, de facto, podem reduzir a procura de bens indesejáveis (por exemplo tabaco), impondo custos emocionais aos fumadores (ou potenciais fumadores) sem o correspondente aumento de receitas públicas, podendo ainda fomentar políticas demasiado paternalistas...

    Aproveito para citar as principais preocupações de Edward Glaeser (2006):

    Soft paternalism is an emotional tax on behavior
    that yields no government revenues.


    Soft paternalism can cause bad decisions just as
    easily as hard paternalism


    Public monitoring of soft paternalism is much more
    difficult than public monitoring of hard paternalism.


    Although hard paternalism will be limited by public
    opposition, soft paternalism is particularly attractive because it
    builds public support.


    Soft paternalism can build dislike or even hatred of
    subgroups of the population.


    Soft paternalism leads to hard paternalism.

    Soft paternalism complements other government
    persuasion.



    Ele próprio, no entanto, reconhece que as ideias estão para ficar e são úteis para a compreensão do comportamento humano e, como tal, podem produzir resultados importantes (por exemplo comportamentos auto-destrutivos como consumo de drogas e tendências suicidas). Na minha opinião, a questão é saber intrepretar os resultados da Economia Comportamental sem cair na tentação de pensar que mais Estado ou intervenção é o caminho para aplicar estas novas ideias na melhoria das decisões individuais. Manter as liberdades individuais é essencial.

    Devemos usar, como guia, o comportamento que todos preferiríamos caso escolhessemos calmamente, com toda a informação e sem limites à nossa racionalidade. Neste sentido, as descobertas dos "Comportamentais" podem ser utilizadas para informar as pessoas dos erros clássicos de quem pretende seguir "o caminho óptimo"!
    Tamanho dos Posts

    As primeiras críticas foram recebidas com agrado! Admito-o. Os posts estão demasiado grandes para alguém os ler. A partir de agora escreverei posts bem mais curtos!

    Obrigado!

    ;)
    Preferências Intertemporais e Excesso de Escolha...
    (Richard Thaler vs. Gary Becker e Eugene Fama)



    Photo Source: Thanks to Grant Mitchell and www.flickr.com


    "(...)we limn a more or less incomplete picture of our future wants and especially the remotely distant ones. And then there are all those wants that never come to mind at all."
    (Eugen von Bohm-Bawerk 1889)


    "Our telescopic faculty is defective, and we, therefore, see future pleasures, as it were, on a diminished scale."

    (Arthur Pigou 1920)

    Lembro-me de a ter aprendido nas aulas de Macroeconomia, na Faculdade de Economia do Porto, uma teoria simples e brilhante que lida com escolhas intertemporais - a teoria do ciclo de vida (TCV) de Franco Modigliani. Simplificando, a sua ideia principal é de que os agentes fazem escolhas inteligentes acerca do consumo em cada período (da sua vida), tendo em conta os recursos disponíveis durante toda a sua vida.

    A teoria pode (e costuma) gerar algum descomforto a quem não esteja habituado à maneira de ver o mundo dos Economistas. Apesar de achar uma maneira fantástica de resumir as decisões de consumo, ao longo do tempo, das pessoas... confesso que a minha primeira reacção foi a mesma. No entanto, a TCV tem sobrevivido, com invulgar robustez, a ínumeros testes empíricos (desde os anos 50), demostrando ser capaz de servir de guia a importantes políticas económicas (por exemplo provisão de segurança social, efeitos de mudanças demográficas na poupança nacional e mesmo determinantes da riqueza e crescimento económico).


    (Photo source - from www.flickr.com: Thanks to Angie)

    O sucesso empírico de teorias como a do Ciclo de Vida pode explicar porquê que, até recentemente, as críticas feitas por Psicólogos e mesmo por Economistas Comportamentais a certos pressupostos das teoris Económicos eram, normalmente, ignoradas pelos Economistas.

    As explicações alternativas eram vistas como pouco úteis (não ofereciam uma teoria sólida alternativa, apenas críticas e teorias fragmentadas) e mesmo perigosas (aceitar críticas ao pressuposto basilar da maximização de utilidade poderia levar-nos a ser capazes de arranjar explicação para toda e qualquer observação, ou seja, nada explicar), levando a que estas críticas não merecessem consideração, sobretudo quando as teorias clássicas estavam a fazer um trabalho bastante aceitável.

    Cada vez mais, todavia, a colaboração entre Economia e Psicologia tende a criar uma teoria mais unificada e proporcionar verdadeiras alternativas aos modelos clássicos, descrevendo de forma mais completa a forma como as pessoas se comportam. Ainda há, no entanto, muito a fazer neste campo. Richard Thaler e Colin Camerer, entre outros Economistas Comportamentais, são os primeiros a admitir que é nesta área, de transformar o criticismo e as teorias alternativas em modelos económicos que reside o potencial de crescimento da Economia Comportamental e de contribuição para a Ciência Económica. Há trabalho para todos... :) Assumo que, um dia, as teorias comportamentais vão chegar a um nível de elegância, formalismo e unificação suficientes para suplantar, como modelos descriptivos de fenómenos Económics, algumas das teorias clássicas. No entanto, teorias como a do Ciclo de Vida serão sempre guardiãs do "comportamento ideal", a norma a que todos aspiraríamos mas que, dadas as nossas limitações (cognitivas), nem sempre atingimos. Muitas vezes saber qual seria o caminho ideal é tão ou mais importante que saber qual o caminho trilhado.

    O Debate

    Richard Thaler (U. Chicago) foi um dos primeiros Economistas a assumir-se como "Comportamental". Tem investigado bastante, por exemplo, acerca de influências comportamentais em decisões de Investimento e Poupança. Recentemente, estudou as políticas de privatização do plano de pensões da Suécia e detectou alguns paradoxos, à luz da teoria clássica. Thaler descobriu que os investidores (Suecos) faziam escolhas sub-óptimas (demasiado arriscadas). A explicação: tinham demasiadas opções o que, dada a capacidade limitada do ser humano para processar informação, prejudicava as decisões (algo semelhante com o abordado neste post e com este artigo do New York Times - 27/03/2005).

    No entanto, diversos (talvez mesmo a maioria dos) economistas, como por exemplo Gary Becker (vencedor da medalha John Bates Clark em 1967 e o Prémio Nobel da Economia em 1992), consideram que ainda é prematuro propôr políticas económicas baseadas nos resultados da Economia Comportamental. Becker (e muitos outros) consideram que as teorias de Economia Comportamental, baseadas em Racionalidade Limitada, podem fomentar um papel demasiado paternalista do Estado (por exemplo: limitar as escolhas de pensões privadas à disposição dos cidadãos). Segundo Becker, ao nível do mercado, como um todo, a racionalidade cancela as "anomalias" psicológicas. Um dos seus comentários acerca deste debade foi “não importa se 90 por cento das pessoas não conegue calcular probabilidades. As 10 por cento que conseguem acabarão nos empregos em que tal é preciso..." (Artigo na Revista da Universidade de Chicago).

    Richard Thaler, defende-se dizendo que, no exemplo Sueco, os cidadãos tiveram (todos) que escolher os seus portfolios e que "talvez Gary Becker esteja a confundir Economia Comportamental com Psicologia... pois os Economistas Comportamentais preocupam-se com o mercado a todo o momento...".

    Thaler, em conjunto com Shlomo Benartzi da UCLA, criou ainda um plano de pensões chamado "Save more tomorrow" ou SMarT (editando ainda um artigo, em 2004, no Journal of Political Economy). O programa está a ter um sucesso invejável, com gestoras de pensões como a Vanguard a oferecerem SMarT a clientes TOP (corporate) e outras, como a T. Rowe Price e a Fidelity a prepararem-se para seguir a mesma estratégio. Thaler espera que até 2010, o SMarT tenha cerca de 1 milhão de participantes.

    O facto de Thaler estar, merecidamente, a enriquecer com os seus investimentos e planos de pensões são uma prova, real, de que as suas teorias são válidas!

    O debate, porém, está para continuar, com disputas acesas entre economistas dos dois lados do muro... Eugene Fama (autor da hipótese dos mercados eficientes) tem escrito das mais duras críticas a Economistas Comportamentais. Todavia, recentemente, reconheceu que investidores desinformados podem distorcer o mercado - levando os preços a serem, por vezes, irracionais (surpreendendo os 116 Economistas presentes na Universidade de Chicago para uma conferência em sua honra - ver aqui, por exemplo. Fama chegou a criticar ferozmente Thaler, dizendo: "Economistas comportamentais, como Richard Thaler, nada provaram em mais de 20 anos de pesquisas". Richard Thaler respondeu que "Eugene Fama é a única pessoa na Terra que ainda acha que não existiu uma bolha no Nasdaq em 2000".

    À medida que as gerações se forem renovando e as ideias comportamentais (a) se forem integrando e sistematizando e (b) começarem a ser ensinadas nas nossas Faculdades, este tipo de críticas tenderão a deixar de existir. O objectivo, na minha opinião, deve passar por acomodar tanto realismo quanto possível (e útil) sem sacrificar o rigor do modelo e, simultâneamente, consolidar uma Teoria una e sólida.

    Algumas referências
    (artigos com asterisco estão disponíveis directamente, os restantes pode aceder-se ao abstract mas para o artigo completo pode ser necessária uma assinatura):


  • Bohm-Bawerk, Eugene Von (1889), "Capital and Interest." South Holland: Libertatian Press



  • Deaton, Angus (2005)*, "Franco Modigliani and the Life Cycle Theory of Consumption," Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review (forthcoming)



  • Frederick, Shane, George Loewenstein and Ted O'Donoghue (2002)*, "Time Discounting and Time Preference: A Critical Review," Journal of Economic Literature, Vol. 40 (2), pp. 351-401



  • Pigou, Arthur C. (1920), "The Economics of Welfare." London: Macmillan



  • Thaler, Richard and H. Shefrin (1981), "An Economic Theory of Self-Control," Journal of Political Economy, 89 (2), pp. 392-406



  • Thaler, Richard (1985), "Mental Accounting and Consumer Choice," Marketing Science, Vol. 4 (3), pp. 199-214
  • quinta-feira, maio 04, 2006

    Por que temos de nos esforçar para não cairmos em tentação?



    Photo by: Thanks to Jetalone for making this photo available at www.flickr.com

    Cair em tentação é, normalmente, incompreensível a posteriori. Se aceitarmos a carga negativa que, normalmente, está associada à expressão, caír em tentação é, por definição, um atentado ao nosso próprio interesse.

    Quantas pessoas prometem deixar de fumar... a partir de amanhã? Quantos, sabendo que a dieta que cumprem é benéfica decidem quebrá-la... demasiadas vezes? Quantos de nós gastamos de mais hoje? Quantas vezes compramos algo que não necessitamos e que, eventualmente nos arrependemos?

    Todas estas situações têm, em comum, uma escolha temporal... satisfaço o meu prazer de curto-prazo e como o chocolate ou maximizo a minha utilidade de longo prazo e, no próximo verão, posso mostrar os meus progressos na praia? Fumo apenas mais um cigarro ou deixo já minimizando a probabilidade de ter problemas no futuro?

    Os Economistas tentam explicar estas escolhas recorrendo à noção de taxa de desconto. O modelo da Utilidade Descontada, de Samuelson, é um bom exemplo. Os pressupostos utilizados para a sua construção foram úteis para dar coesão e elegância à teoria. Porém, estes assumem um carácter mais idealista que realista e, consequentemente, têm sido alvo de crítcas por parte, por exemplo, de outros cientistas sociais (psicólogos, por exemplo).

    Preferências Intertemporais Revisitadas

    Shane Frederick, George Loewenstein e Ted O'Donoghue, por exemplo, escreveram um artigo em que, além de abordarem a história dos modelos (Económics) de escolhas intertemporais, propunham algumas explicações alternativas para fenómenos observados e novas formas de encarar estas decisões e evitar algumas das anomalias verificadas em modelos clássicos:

    - o efeito de magnitude, por exemplo, em que pequenas quantidades são descontadas mais que grandes,
    - o facto de ganhos serem mais descontados que perdas,
    - em circunstâncias semelhantes agentes exigem mais dinheiro para antecipar um pagamento do que estão dispostos a pagar para o atrasar, e
    - a preferência por sequências crescentes - a maioria das pessoas prefere uma sequência de salários futuros que aumentem mesmo quando o valor actual é inferior a uma sequência alternativa em que os salários reduzem

    Para responder a estas anomalias, Economistas comportamentais têm proposto diversas teorias, das quais a da taxa de desconto hiperbólico se tem destacado. Segundo esta teoria, os agentes decidem de acordo com a situação e o ponto no tempo em que estão. O nome advém do facto da taxa de desconto não ser constante e cair ao longo do tempo. Isto é, os agentes, ao escolherem entre consumir algo agora ou amanhã dão muito valor ao "agora", no entanto, a mesma escolha feita entre daqui a 364 dias ou 365 dias pode resultar em indiferença (mesmo entre amanhã e depois, comparado com agora e amanhã, já existe uma grande diferença).

    Sob desconto hiperbólico, os agentes respondem de forma muito forte a custos e benefícios imediatos, o que pode explicar situações como compras por impulso, começar a poupar para a reforma demasiado tarde e mesmo recaídas no consumo de substâncias viciantes ou outros actos (muitas vezes auto-destrutivos) que, de outra forma, poderiam parecer "irracionais".

    Outras alternativas para incluir estes fenómenos existem: modelos que alteram a função utilidade: Modelos de Hábitos, Modelos de Pontos de Referência (como a Prospect Theory de Kahneman e Tversky, 1979), Modelos que Incorporam a Utilidade da Anticipação (Loewenstein desenvolveu uma versão formal destes modelos), Modelos de Influências Viscerais e ainda , entre outros, os Modelos de Contabilidade Mental (Mental Accounting - Richard Thaler). Tentarei passaear por algumas destas alternativas num próximo post...

    O que acontece muitas vezes, e muitos psicólogos têm sugerido esta ideia de processamento dual, em que uma parte inconsciente (automática e rápida) de nós toma certas decisões (por vezes chamada intuição) e uma parte consciente que controla, quando tem recursos para tal, este decisor mais automático. Investigadores como Ap Dijksterhuis, da Universidade de Amsterdão, John Bargh (Yale) e Steven A. Sloman (Brown University - autor do influente paper "The Empircal Case for Two Systems of Reasoning") acreditam nesta teoria de processamento dual (ver ainda, por exemplo, um artigo de 2006 deSalvador Algarabel, Juan V. Luciano e José L. Martinéz (Universidade de Valencia)).

    Estas ideias, de dois "decisores" ou dois sistemas de decisão - um preocupado apenas com o curto-prazo e outro com o longo-prazo, foi aproveitada por Economistas Comportamentais, nomeadamente Thaler. Num dos seus modelos, Thaler, tenta explicar estas anomalias e, nomeadamente, a questão do auto-controlo, através de uma perspectiva de múltiplos egos. Outros investigadores que também elaboraram modelos de escolhas como resultado de conflitos entre múltiplos-egos incluem o Prémio Nobel da Economia de 2005 (em conjunto com Robert J. Aumann), Thomas Schelling (ver artigo na American Economic Review).

    Thaler e Shefrin (1981) incorporaram de forma simples e eficaz o conceito de auto-controle na teoria individual de escolha intertemporal considerando não um mas dois decisores. Em vez de tentarem analisar em detalhe os mecanismos do cérebro humano, no entanto, recorreram a uma metáfora simples e muito eficaz - o cérebro como uma empresa em que um administrador-planeador (o principal) tenta maximizar a utilidade de longo prazo enquanto o trabalhador-executante (o agente) tenta maximizar a sua utilidade de curto-prazo. A natureza deste conflito ilustra o problema do auto-controle. Por vezes o principal consegue "dominar " o agente e ganhar o conflito, garantindo a manutenção do comportamento ideal (no longo prazo). No entanto, para o fazer consome recursos que são limitados o que explica que, em certas ocasiões, ocorra "perda de controle", ou melhor, controle por parte do "nosso decisor de curto prazo". Este tipo de modelos acrescenta mais descripção aos modelos de desconto hiperbólico, ao tentar incorporar noções dos processos psicológicos que estão a ocorrer (de forma económica).

    Contudo, a questão e o debate não terminam por aqui. Por um lado, as "taxas de desconto" apuradas em investigações de consumo intertemporal resumem um complexo conjunto de processos que ocorrem quando tomamos decisões. São, portanto, difíceis de medir. Influências emocionais e proximidade física sugerem, por exemplo, que alguns dos efeitos observados não se limitam a escolhas intertemporais, o desconto pode ser motivado por incerteza, por expectativas de inflação ou por uma série de outros factores que complicam a análise.

    Noutro artigo, Lowenstein sugere mesmo que grande parte das decisões são motivadas por causas específicas e irregulares (influências viscerais - fome, dôr, desejo sexual, temperamento, emoções,...). No fundo, Loewenstein afirma que estas influências viscerais são amplificadas por caracterísitcas com a visibilidade e saliência do estímulo (por exemplo: o cheiro do chocolate a sair de uma loja). Depois, estas influências têm um efeito desproporcional no comportamento (exemplo: cheiro do chocolate --> decisão imediata de comer o chocolate) e tendem a anular outros objectivos do agente (por exemplo, de longo prazo como dieta, saúde). Em segundo lugar, nós temos uma tendência para desvalorizar ou mesmo ignorar estes factores quando eles não estão activos... o que oferece uma explicação alternativa ao desconto hiperbólico para o problema do auto-controle. Esta teoria também explica efeitos de proximidade espacial e não apenas temporal. Loewenstein (1996) sugere aplicações desta teoria nas áreas de dependência (e recaídas) de drogas (mas também tabaco, álcool), comportamentos sexuais impulsivos, motivação e esforço e auto-controlo.

    Aparentemente, como sugeria Freud, nem todo o comportamento, decisões e escolhas são feitas de forma consciente... grande parte dele é (pelo menos parcialmente) involuntário, mesmo quando deliberamos sobre a decisão.

    Afinal, quantos de nós não pusémos, já, o despertador longe da cama para nos obrigar a levantar... prevendo um conflito entre a nossa utilidade ao deitar (e desvalorizando a desutilidade de ter o alarme longe de manhã) com a nossa utilidade ao levantar (motivada por um sono visceral). Seja uma influência visceral, um conflito entre os nossos egos de curto e longo-prazo ou uma aplicação da taxa de desconto hiperbólica, estou certo que muitos de nós se revêm em alguns dos exemplos publicados por estes investigadores.


    Algumas referências
    (artigos com asterisco estão disponíveis directamente, os restantes pode aceder-se ao abstract mas para o artigo completo pode ser necessária uma assinatura):

  • Frederick, Shane , George Loewenstein and Ted O'Donoghue (2002), "Time Discounting and Time Preference: A Critical Review," Journal of Economic Literature, Vol. 40 (2), pp. 351-401


  • Harris, Christopher and David I. Laibson (2001), “Dynamic choices of hyperbolic consumers,” Econometrica, 69(4), 935–57


  • Laibson, David I. (1997), “Golden eggs and hyperbolic discounting,” Quarterly Journal of
    Economics, 62, pp. 443–77


  • Thaler, Richard and H. Shefrin (1981), "An Economic Theory of Self-Control," Journal of Political Economy, 89 (2), pp. 392-406


  • Thaler, Richard (1985), "Mental Accounting and Consumer Choice," Marketing Science, Vol. 4 (3), pp. 199-214
  • terça-feira, maio 02, 2006



    Breve Incursão acerca do Papel da Psicologia e da Matemática na Teoria Económica

    A matemática sempre foi vista como aliada importante no estudo de fenómenos sociais e económicos. Xenofonte (427-355 a.C.), autor de uma das mais antigas obras de carácter Económico que se conhece (Oeconomicus – um diálogo Socrático acerca de gestão doméstica e agricultura), utilizou a fórmula da média harmónica (entre o preço mais baixo a que um vendedor está disposto a vender um bem, e o preço mais alto que um comprador está disposto a pagar por esse mesmo bem) como regra para determinar o preço justo .

    Uma obra com reconhecida influência na promoção do uso de Matemática para estudar fenómenos sociais foi a do Marquês de Condorcet (1743-94). Filósofo e matemático Francês, Condorcet aplicou modelos matemáticos, por exemplo, a estudos no âmbito da teoria das eleições. Alguns anos mais tarde, Augustin Cournot (1801-1877), um dos mais influentes Economistas de todos os tempos, introduziu elevado rigor matemático no seu tratamento de tópicos como produção e equilíbrio sob diferentes estruturas de mercado. Cournot é também considerado o primeiro Economista a utilizar diagramas para explicar o equilíbrio de mercado (as famosas curvas da oferta e procura).

    De facto, convencer a comunidade científica do séc. XIX que a Sociedade pode ser estudada através de modelos matemáticos não parecia uma tarefa tão complicada como a que teria tido Copérnico (1473-1543) quando procurou uma fórmula simples para explicar o movimento dos planetas. Doutorado em Matemática, Cournout tinha uma formação que lhe permitia seguir este desafio. Teve como principais influências intelectuais Laplace, Lagrange e Hachette. Hachette, discípulo de Condorcet, contagia Cournot com os princípios da Matemática Social, isto é, a ideia de que as Ciências Sociais, tal como as naturais, podem ser tratadas matematicamente. Na Alemanha, Johann Heinrich von Thunen (1783-1850), estudou, por exemplo, a relação entre a distância de quintas em relação ao centro das cidades e as rendas praticadas (bem como o tipo de agricultura implementada). Para responder às suas questões, ele elaborou um problema de maximização (optimização) e utilizou álgebra e cálculo diferencial para o resolver (duas ferramentas essenciais no desenvolvimento da Economia moderna).

    No entanto, em meados do séc. XIX, a Economia não podia, ainda, ser considerada uma ciência quantitativa. A partir dos anos 70 do séc. XIX, no entanto, os Economistas apostaram progressivamente na matematização da ciência, procurando atingir níveis de elegância matemática (e estatuto científico) comparáveis aos da Física. Léon Walras (1834-1910) e William Stanley Jevons (1835-1882) estão entre os principais promotores deste movimento que teve uma grande influência na evolução da Economia (o estudo do Equilíbrio Geral Walrasiano, por exemplo, é parte obrigatória de qualquer currículo académico em Microeconomia). Nos Estados Unidos, Simon Newcomb (1835-1909) também advogava o uso de métodos quantitativos para o estudo de relações económicas. Irving Fisher (1867-1947), defende a sua dissertação de Doutoramento em 1892 sob o tema “Investigações Matemátifcas acerca da Teoria do Valor e dos Preços”, onde o tratamento matemático da teoria marginalista de valor era condizente com a sua rigorosa formação em Matemática. No entanto, apesar de ter estudado utilidades com um rigor matemático impressionante, Fisher é por vezes criticado por ter despido o conceito de utilidade de todos os processos psicológicos que a determinam. O único pressuposto necessário era o de que os indíviduos agem em seu próprio benefício (com utilidade a ser uma medida de intensidade de desejo em vez de prazer ou dor).

    Este visão “simplificadora” de utilidade, sacrifica muitos dos fundamentos que teriam estado na origem do conceito de utilidade, como base do estudo de tomada de decisões. A definição de utilidade proposta por Jeremy Bentham (1748-1832), por exemplo, era bem mais abrangente. Para Bentham, utilidade era um conceito multi-dimensional (intensidade, duração, (in)certeza e proximidade). Muitas vezes, as suas diversas dimensões entram em conflito e é necessário fazer escolhas difíceis, equilibrar vantagens e desvantagens. Consequentemente, para Bentham, os princípios utilitários deveriam ser vistos mais como um esboço para guiar políticas Económicas, do que uma ferramenta simplificadora para reduzir as (complexas) decisões a equações determinísticas.

    Colin Camerer (ver link ao lado) defende que a sub-disciplina de Behavioral Economics (Economia Comportamental) pretende substituir alguns dos pressupostos mais simplistas acerca de racionalidade utilizados pelos Economistas, com vista a aumentar o seu realismo psicológico. Esta busca não deve, no entanto, ser feita à custa de rigor matemático. Isto é, Economia Comportamental deve tentar incorporar pressupostos psicologicamente mais realistas mantendo o rigor do método. As sugestões de Herbert Simon (racionalidade limitada ou bounded rationality), apesar de poderem complicar os modelos utilizados, têm de ser incorporadas em modelos mais realistas. Por exemplo, Adam Smith (1723-1790) é hoje particularmente conhecido pela sua obra “A Riqueza das Nações” (1776). No entanto, no séc. XVIII, Adam Smith era mais famoso por outra obra “A Teoria dos Sentimentos Morais”, um conjunto de 6 volumes publicados entre 1759 e 1790 onde a visão “egoísta” que o tornou popular, é relativizada e uma visão bastante mais altruísta do ser humano é apresentada.

    Um bom exemplo de como conceitos psicológicos podem ser incorporados na Teoria Económica é a Prospect Theory de Daniel Kahneman e Amos Tversky. O artigo que Kahneman e Tversky publicaram na Econometrica, em 1979, continua a ser o mais citado daquela que é uma das mais prestigiadas publicações em Economia. De forma resumida, a Prospect Theory assume que a utilidade é determinada em termos de mudanças, isto é, em termos de ganhos e perdas em relação a um ponto de referência (e não pelo seu valor absoluto – por exemplo o valor total da riqueza). Adicionalmente, quando comparada com a Teoria da Utilidade Esperada (que tem origens na solução apresentada por Daniel Bernoulli (1700-1782) para Paradoxo de São Petersburgo e foi formalizada nos anos 40 por John von Neuman (1903-1957) e Oskar Morgenstern (1902-1977)), a Prospect Theory alterou a aplicação de probabilidades em problemas de decisão, aplicando uma função não linear de ponderação que permite explicar, por exemplo, porquê que pessoas, mesmo avessas ao risco, compram lotarias... bem como outros paradoxos).

    Economia Comportamental já não é, hoje em dia, um grupo de investigadores obstinados vistos com maus olhos pelos Economistas mais ortodoxos. Os Economistas pretendem, naturalmente, maximizar a sua capacidade de modelar a realidade, cumprindo restrições de esforço, elegância matemática (parsimónia) e capacidade. Desta forma, são cada vez mais aqueles que acreditam que um dos argumentos desta função objectivo deve ser o realismo comportamental. Economia é uma ciência social e, como tal, o esforço de sistematização de ideias e teorias (muitas vezes acusadas de serem demasiado fragmentadas e não constituirem, ainda, uma teoria una) provenientes de outras ciências sociais (nomeadamente da psicologia) só pode contribuir para a credibilização e engrandecimento da Ciência Económica. Tal como entusiasticamente defendem Richard H. Thaler, um dos pioneiros na Economia Comportamental, e Colin Camerer (ver citações abaixo), um dia o termo comportamental deixará de fazer sentido.

    “(...) num futuro não muito distante, o termo “Finanças Comportamentais” será correctamente visto como uma frase redundante. Que outro tipo de Finanças existe? No seu iluminismo, os economistas incorporarão, de forma rotineira, tanto “comportamento” nos seus modelos como aquele que observam no mundo real. Afinal, não o fazer seria irracional.”
    In Thaler, Richard H. (1999), "The End of Behavioral Finance," Financial Analysts Journal, 56 (6), pp. 12-17.

    “(...) tanta e tão interessante investigação poderia ser colocada sob esta designação [Economia Comportamental] que, em breve, o termo “Economia Comportamental” deixará de ser útil. É precisamente esse o objectivo! O objective não é criar uma disciplina isolada mas, antes, impôr mais disciplina psicológica na Teoria Económica que, durante muito tempo, devido aos esforços dos Economistas em apurar o tratamento Matemático da Economia, se baseou demasiado em pressupostos de capacidade de processamento ilimitada, auto-determinação e objectivos egoístas.”

    In Camerer, Colin (1999), “Behavioral Economics,” American Economic Association, Newsletter of the Committee on the Status of Women in the Economics Profession, Winter

    Para escrever este post, recorri frequentemente ao seguinte livro:

    Backhouse, Roger E. (2002), "The Penguin History of Economics." Penguin Books, London, England

    segunda-feira, maio 01, 2006

    “Excesso de Escolha” – Um Paradoxo Recente

    thanks to parts n' pieces (accessed in http://www.flickr.com/) - her blog: http://partsnpieces.blog-city.com/

    (photo source: thanks to parts n' pieces - http://www.flickr.com/photos/partsnpieces/)

    Imagine uma nova Gelataria - a Gelataria Exótica. A sua imagem de marca é ter uma variedade única - mais de 80 sabores. Está ansioso por lá ir mas, quando tem de fazer a escolha, inesperadamente, fica indeciso, desconfortável, com medo de se arrepender da sua escolha...

    Escolhas, ou melhor, decisões, em situações de consumo como a da Gelataria Exótica, onde diversas pessoas preferem preferir menos, em vez de mais, escolha tem intrigado um número cada vez maior de investigadores de diversas áreas, como a Economia e a Psicologia. Existem diversos pontos positivos em ter um sortido alargado. Raro será o consumidor que prefere sempre o mesmo sabor de gelado. Diferentes consumidores têm gostos diferentes e ter mais variedade atrairá, certamente, mais clientes. No entanto, tal como na situação descrita da Gelataria Exótica, excesso de escolhas pode, por vezes, ser prejudicial. Inundar o consumidor de escolhas leva-o a uma incapacidade de processar a informação disponível e, eventualmente, descurar, retardar ou mesmo desistir da escolha. Adicionalmente, manter sortidos alargados traz, normalmente, custos elevados às empresas (levando algumas a tentar manter a percepção de sortido alargado ainda que reduzindo a variedade).

    Sheena Iyengar, investigadora da Universidade de Columbia em Nova Iorque viu, durante muitos anos, os seus pais ficarem deslumbrados com o sortido das gelatarias de Nova Iorque, algo a que não estavam habituados na Índia. No entanto, após ponderarem cuidadosamente, traziam invariavelmente, para casa, gelado de baunilha. Mais tarde, Sheena doutorou-se em Psicologia Social e, recentemente, em conjunto com Mark Lepper (Stanford University), fez um estudo experimental em que demonstrou que, de facto, demasiada escolha tem efeitos negativos nas percepções do consumidor e subsequentes decisões de consumo. Em colaboração com uma cadeia de supermercados Americana, os dois investigadores testaram situações experimentais em que uma banca promocional era colocada num dos corredores centrais com um sortido de 6 ou 24 sabores de compota. Quando a banca tinha 24 sabores, cerca de 60% dos consumidores que por lá passavam paravam para provar uma compota (levando um cupão de desconto, caso pretendessem adquirir uma, no retirando do linear respectivo). Por outro lado, quando 6 sabores estavam expostos apenas 40% dos visitantes se aproximou da banca. Até aqui, a teoria clássica de que mais variedade apenas pode oferecer mais utilidade aos consumidores parecia estar a funcionar. Intrigante foi o facto de, quando foi analisado o volume de cupões utilizados, apenas 3% daqueles que provaram a compota a partir de uma banca com 24 sabores aproveitou o desconto e comprou, de facto, uma compota. Esta percentagem é claramente inferior à verificada entre aqueles que tiveram contacto com uma banca promocional com 6 sabores, onde o volume de cupões utilizados ascendeu a 30% dos oferecidos.

    A reacção do consumidor em relação às escolhas que tem de fazer é diferente quando se trata de uma escolha difícil ou fácil. Desta forma, se a escolha envolve um grau elevado de conflito, o consumidor tende a sentir-se inseguro, frustrado com o processo de escolha, ter medo de errar (e arrepender-se da sua decisão) e, possivelmente, adiar ou desistir da escolha. Quando se trata de escolher entre marcas de determinado produto, por exemplo, alguns investigadores chegam mesmo a sugerir que os consumidores fogem das marcas cujo sortido obriga a demasiados conflitos e preferem marcas mais “simples” em termos das variedades que oferecem. Desta forma, sortidos que gerem muitos conflitos podem tornar-se ineficientes e este efeito tende a ser mais forte se o sortido for demasiado grande. A questão é que, ao contrário do que postulam leis de comportamento do consumidor como agente racional, as limitações (cognitivas) dos seres humanos, nomeadamente na determinação das suas próprias preferências e processamento de toda a informação relevante, levam a que muitos prefiram fugir a decisões difíceis.

    Muitas empresas parecem estar, já, a incorporar estas ideias nas suas estratégias. Por exemplo, a Unilever, após adquirir em 1999 a Bestfoods apostou num programa de racionalização do seu portfolio de marcas, com o objectivo de passar de 1600 marcas para cerca de 400 com potencial global, bem como algumas “pérolas locais”. A Unilever reteve apenas as marcas que cumpriam três critérios:

    (1) ter uma marca poderosa - ser ou ter potencial para vir a ser número 1 ou 2 no mercado em que se insere,
    (2) ter potencial de crescimento - devido à sua atractividade presente ou capacidade para satisfazer necessidades futuras, e
    (3) suficiente escala - marcas suficientemente grandes para justificar os investimentos necessários em termos de marketing, comunicação e investigação

    Esta estratégia de portfolio pode trazer frutos a úm nível ainda mais micro, quando aplicada à diversidade de alternativas oferecidas por cada marca. Reconhecer o paradoxo da escolha, onde mais opções podem, potencialmente, reduzir a utilidade dos consumidores, é um passo importante na definição de estratégias de marca mais eficientes.