quinta-feira, maio 04, 2006

Por que temos de nos esforçar para não cairmos em tentação?



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Cair em tentação é, normalmente, incompreensível a posteriori. Se aceitarmos a carga negativa que, normalmente, está associada à expressão, caír em tentação é, por definição, um atentado ao nosso próprio interesse.

Quantas pessoas prometem deixar de fumar... a partir de amanhã? Quantos, sabendo que a dieta que cumprem é benéfica decidem quebrá-la... demasiadas vezes? Quantos de nós gastamos de mais hoje? Quantas vezes compramos algo que não necessitamos e que, eventualmente nos arrependemos?

Todas estas situações têm, em comum, uma escolha temporal... satisfaço o meu prazer de curto-prazo e como o chocolate ou maximizo a minha utilidade de longo prazo e, no próximo verão, posso mostrar os meus progressos na praia? Fumo apenas mais um cigarro ou deixo já minimizando a probabilidade de ter problemas no futuro?

Os Economistas tentam explicar estas escolhas recorrendo à noção de taxa de desconto. O modelo da Utilidade Descontada, de Samuelson, é um bom exemplo. Os pressupostos utilizados para a sua construção foram úteis para dar coesão e elegância à teoria. Porém, estes assumem um carácter mais idealista que realista e, consequentemente, têm sido alvo de crítcas por parte, por exemplo, de outros cientistas sociais (psicólogos, por exemplo).

Preferências Intertemporais Revisitadas

Shane Frederick, George Loewenstein e Ted O'Donoghue, por exemplo, escreveram um artigo em que, além de abordarem a história dos modelos (Económics) de escolhas intertemporais, propunham algumas explicações alternativas para fenómenos observados e novas formas de encarar estas decisões e evitar algumas das anomalias verificadas em modelos clássicos:

- o efeito de magnitude, por exemplo, em que pequenas quantidades são descontadas mais que grandes,
- o facto de ganhos serem mais descontados que perdas,
- em circunstâncias semelhantes agentes exigem mais dinheiro para antecipar um pagamento do que estão dispostos a pagar para o atrasar, e
- a preferência por sequências crescentes - a maioria das pessoas prefere uma sequência de salários futuros que aumentem mesmo quando o valor actual é inferior a uma sequência alternativa em que os salários reduzem

Para responder a estas anomalias, Economistas comportamentais têm proposto diversas teorias, das quais a da taxa de desconto hiperbólico se tem destacado. Segundo esta teoria, os agentes decidem de acordo com a situação e o ponto no tempo em que estão. O nome advém do facto da taxa de desconto não ser constante e cair ao longo do tempo. Isto é, os agentes, ao escolherem entre consumir algo agora ou amanhã dão muito valor ao "agora", no entanto, a mesma escolha feita entre daqui a 364 dias ou 365 dias pode resultar em indiferença (mesmo entre amanhã e depois, comparado com agora e amanhã, já existe uma grande diferença).

Sob desconto hiperbólico, os agentes respondem de forma muito forte a custos e benefícios imediatos, o que pode explicar situações como compras por impulso, começar a poupar para a reforma demasiado tarde e mesmo recaídas no consumo de substâncias viciantes ou outros actos (muitas vezes auto-destrutivos) que, de outra forma, poderiam parecer "irracionais".

Outras alternativas para incluir estes fenómenos existem: modelos que alteram a função utilidade: Modelos de Hábitos, Modelos de Pontos de Referência (como a Prospect Theory de Kahneman e Tversky, 1979), Modelos que Incorporam a Utilidade da Anticipação (Loewenstein desenvolveu uma versão formal destes modelos), Modelos de Influências Viscerais e ainda , entre outros, os Modelos de Contabilidade Mental (Mental Accounting - Richard Thaler). Tentarei passaear por algumas destas alternativas num próximo post...

O que acontece muitas vezes, e muitos psicólogos têm sugerido esta ideia de processamento dual, em que uma parte inconsciente (automática e rápida) de nós toma certas decisões (por vezes chamada intuição) e uma parte consciente que controla, quando tem recursos para tal, este decisor mais automático. Investigadores como Ap Dijksterhuis, da Universidade de Amsterdão, John Bargh (Yale) e Steven A. Sloman (Brown University - autor do influente paper "The Empircal Case for Two Systems of Reasoning") acreditam nesta teoria de processamento dual (ver ainda, por exemplo, um artigo de 2006 deSalvador Algarabel, Juan V. Luciano e José L. Martinéz (Universidade de Valencia)).

Estas ideias, de dois "decisores" ou dois sistemas de decisão - um preocupado apenas com o curto-prazo e outro com o longo-prazo, foi aproveitada por Economistas Comportamentais, nomeadamente Thaler. Num dos seus modelos, Thaler, tenta explicar estas anomalias e, nomeadamente, a questão do auto-controlo, através de uma perspectiva de múltiplos egos. Outros investigadores que também elaboraram modelos de escolhas como resultado de conflitos entre múltiplos-egos incluem o Prémio Nobel da Economia de 2005 (em conjunto com Robert J. Aumann), Thomas Schelling (ver artigo na American Economic Review).

Thaler e Shefrin (1981) incorporaram de forma simples e eficaz o conceito de auto-controle na teoria individual de escolha intertemporal considerando não um mas dois decisores. Em vez de tentarem analisar em detalhe os mecanismos do cérebro humano, no entanto, recorreram a uma metáfora simples e muito eficaz - o cérebro como uma empresa em que um administrador-planeador (o principal) tenta maximizar a utilidade de longo prazo enquanto o trabalhador-executante (o agente) tenta maximizar a sua utilidade de curto-prazo. A natureza deste conflito ilustra o problema do auto-controle. Por vezes o principal consegue "dominar " o agente e ganhar o conflito, garantindo a manutenção do comportamento ideal (no longo prazo). No entanto, para o fazer consome recursos que são limitados o que explica que, em certas ocasiões, ocorra "perda de controle", ou melhor, controle por parte do "nosso decisor de curto prazo". Este tipo de modelos acrescenta mais descripção aos modelos de desconto hiperbólico, ao tentar incorporar noções dos processos psicológicos que estão a ocorrer (de forma económica).

Contudo, a questão e o debate não terminam por aqui. Por um lado, as "taxas de desconto" apuradas em investigações de consumo intertemporal resumem um complexo conjunto de processos que ocorrem quando tomamos decisões. São, portanto, difíceis de medir. Influências emocionais e proximidade física sugerem, por exemplo, que alguns dos efeitos observados não se limitam a escolhas intertemporais, o desconto pode ser motivado por incerteza, por expectativas de inflação ou por uma série de outros factores que complicam a análise.

Noutro artigo, Lowenstein sugere mesmo que grande parte das decisões são motivadas por causas específicas e irregulares (influências viscerais - fome, dôr, desejo sexual, temperamento, emoções,...). No fundo, Loewenstein afirma que estas influências viscerais são amplificadas por caracterísitcas com a visibilidade e saliência do estímulo (por exemplo: o cheiro do chocolate a sair de uma loja). Depois, estas influências têm um efeito desproporcional no comportamento (exemplo: cheiro do chocolate --> decisão imediata de comer o chocolate) e tendem a anular outros objectivos do agente (por exemplo, de longo prazo como dieta, saúde). Em segundo lugar, nós temos uma tendência para desvalorizar ou mesmo ignorar estes factores quando eles não estão activos... o que oferece uma explicação alternativa ao desconto hiperbólico para o problema do auto-controle. Esta teoria também explica efeitos de proximidade espacial e não apenas temporal. Loewenstein (1996) sugere aplicações desta teoria nas áreas de dependência (e recaídas) de drogas (mas também tabaco, álcool), comportamentos sexuais impulsivos, motivação e esforço e auto-controlo.

Aparentemente, como sugeria Freud, nem todo o comportamento, decisões e escolhas são feitas de forma consciente... grande parte dele é (pelo menos parcialmente) involuntário, mesmo quando deliberamos sobre a decisão.

Afinal, quantos de nós não pusémos, já, o despertador longe da cama para nos obrigar a levantar... prevendo um conflito entre a nossa utilidade ao deitar (e desvalorizando a desutilidade de ter o alarme longe de manhã) com a nossa utilidade ao levantar (motivada por um sono visceral). Seja uma influência visceral, um conflito entre os nossos egos de curto e longo-prazo ou uma aplicação da taxa de desconto hiperbólica, estou certo que muitos de nós se revêm em alguns dos exemplos publicados por estes investigadores.


Algumas referências
(artigos com asterisco estão disponíveis directamente, os restantes pode aceder-se ao abstract mas para o artigo completo pode ser necessária uma assinatura):

  • Frederick, Shane , George Loewenstein and Ted O'Donoghue (2002), "Time Discounting and Time Preference: A Critical Review," Journal of Economic Literature, Vol. 40 (2), pp. 351-401


  • Harris, Christopher and David I. Laibson (2001), “Dynamic choices of hyperbolic consumers,” Econometrica, 69(4), 935–57


  • Laibson, David I. (1997), “Golden eggs and hyperbolic discounting,” Quarterly Journal of
    Economics, 62, pp. 443–77


  • Thaler, Richard and H. Shefrin (1981), "An Economic Theory of Self-Control," Journal of Political Economy, 89 (2), pp. 392-406


  • Thaler, Richard (1985), "Mental Accounting and Consumer Choice," Marketing Science, Vol. 4 (3), pp. 199-214
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