terça-feira, maio 02, 2006



Breve Incursão acerca do Papel da Psicologia e da Matemática na Teoria Económica

A matemática sempre foi vista como aliada importante no estudo de fenómenos sociais e económicos. Xenofonte (427-355 a.C.), autor de uma das mais antigas obras de carácter Económico que se conhece (Oeconomicus – um diálogo Socrático acerca de gestão doméstica e agricultura), utilizou a fórmula da média harmónica (entre o preço mais baixo a que um vendedor está disposto a vender um bem, e o preço mais alto que um comprador está disposto a pagar por esse mesmo bem) como regra para determinar o preço justo .

Uma obra com reconhecida influência na promoção do uso de Matemática para estudar fenómenos sociais foi a do Marquês de Condorcet (1743-94). Filósofo e matemático Francês, Condorcet aplicou modelos matemáticos, por exemplo, a estudos no âmbito da teoria das eleições. Alguns anos mais tarde, Augustin Cournot (1801-1877), um dos mais influentes Economistas de todos os tempos, introduziu elevado rigor matemático no seu tratamento de tópicos como produção e equilíbrio sob diferentes estruturas de mercado. Cournot é também considerado o primeiro Economista a utilizar diagramas para explicar o equilíbrio de mercado (as famosas curvas da oferta e procura).

De facto, convencer a comunidade científica do séc. XIX que a Sociedade pode ser estudada através de modelos matemáticos não parecia uma tarefa tão complicada como a que teria tido Copérnico (1473-1543) quando procurou uma fórmula simples para explicar o movimento dos planetas. Doutorado em Matemática, Cournout tinha uma formação que lhe permitia seguir este desafio. Teve como principais influências intelectuais Laplace, Lagrange e Hachette. Hachette, discípulo de Condorcet, contagia Cournot com os princípios da Matemática Social, isto é, a ideia de que as Ciências Sociais, tal como as naturais, podem ser tratadas matematicamente. Na Alemanha, Johann Heinrich von Thunen (1783-1850), estudou, por exemplo, a relação entre a distância de quintas em relação ao centro das cidades e as rendas praticadas (bem como o tipo de agricultura implementada). Para responder às suas questões, ele elaborou um problema de maximização (optimização) e utilizou álgebra e cálculo diferencial para o resolver (duas ferramentas essenciais no desenvolvimento da Economia moderna).

No entanto, em meados do séc. XIX, a Economia não podia, ainda, ser considerada uma ciência quantitativa. A partir dos anos 70 do séc. XIX, no entanto, os Economistas apostaram progressivamente na matematização da ciência, procurando atingir níveis de elegância matemática (e estatuto científico) comparáveis aos da Física. Léon Walras (1834-1910) e William Stanley Jevons (1835-1882) estão entre os principais promotores deste movimento que teve uma grande influência na evolução da Economia (o estudo do Equilíbrio Geral Walrasiano, por exemplo, é parte obrigatória de qualquer currículo académico em Microeconomia). Nos Estados Unidos, Simon Newcomb (1835-1909) também advogava o uso de métodos quantitativos para o estudo de relações económicas. Irving Fisher (1867-1947), defende a sua dissertação de Doutoramento em 1892 sob o tema “Investigações Matemátifcas acerca da Teoria do Valor e dos Preços”, onde o tratamento matemático da teoria marginalista de valor era condizente com a sua rigorosa formação em Matemática. No entanto, apesar de ter estudado utilidades com um rigor matemático impressionante, Fisher é por vezes criticado por ter despido o conceito de utilidade de todos os processos psicológicos que a determinam. O único pressuposto necessário era o de que os indíviduos agem em seu próprio benefício (com utilidade a ser uma medida de intensidade de desejo em vez de prazer ou dor).

Este visão “simplificadora” de utilidade, sacrifica muitos dos fundamentos que teriam estado na origem do conceito de utilidade, como base do estudo de tomada de decisões. A definição de utilidade proposta por Jeremy Bentham (1748-1832), por exemplo, era bem mais abrangente. Para Bentham, utilidade era um conceito multi-dimensional (intensidade, duração, (in)certeza e proximidade). Muitas vezes, as suas diversas dimensões entram em conflito e é necessário fazer escolhas difíceis, equilibrar vantagens e desvantagens. Consequentemente, para Bentham, os princípios utilitários deveriam ser vistos mais como um esboço para guiar políticas Económicas, do que uma ferramenta simplificadora para reduzir as (complexas) decisões a equações determinísticas.

Colin Camerer (ver link ao lado) defende que a sub-disciplina de Behavioral Economics (Economia Comportamental) pretende substituir alguns dos pressupostos mais simplistas acerca de racionalidade utilizados pelos Economistas, com vista a aumentar o seu realismo psicológico. Esta busca não deve, no entanto, ser feita à custa de rigor matemático. Isto é, Economia Comportamental deve tentar incorporar pressupostos psicologicamente mais realistas mantendo o rigor do método. As sugestões de Herbert Simon (racionalidade limitada ou bounded rationality), apesar de poderem complicar os modelos utilizados, têm de ser incorporadas em modelos mais realistas. Por exemplo, Adam Smith (1723-1790) é hoje particularmente conhecido pela sua obra “A Riqueza das Nações” (1776). No entanto, no séc. XVIII, Adam Smith era mais famoso por outra obra “A Teoria dos Sentimentos Morais”, um conjunto de 6 volumes publicados entre 1759 e 1790 onde a visão “egoísta” que o tornou popular, é relativizada e uma visão bastante mais altruísta do ser humano é apresentada.

Um bom exemplo de como conceitos psicológicos podem ser incorporados na Teoria Económica é a Prospect Theory de Daniel Kahneman e Amos Tversky. O artigo que Kahneman e Tversky publicaram na Econometrica, em 1979, continua a ser o mais citado daquela que é uma das mais prestigiadas publicações em Economia. De forma resumida, a Prospect Theory assume que a utilidade é determinada em termos de mudanças, isto é, em termos de ganhos e perdas em relação a um ponto de referência (e não pelo seu valor absoluto – por exemplo o valor total da riqueza). Adicionalmente, quando comparada com a Teoria da Utilidade Esperada (que tem origens na solução apresentada por Daniel Bernoulli (1700-1782) para Paradoxo de São Petersburgo e foi formalizada nos anos 40 por John von Neuman (1903-1957) e Oskar Morgenstern (1902-1977)), a Prospect Theory alterou a aplicação de probabilidades em problemas de decisão, aplicando uma função não linear de ponderação que permite explicar, por exemplo, porquê que pessoas, mesmo avessas ao risco, compram lotarias... bem como outros paradoxos).

Economia Comportamental já não é, hoje em dia, um grupo de investigadores obstinados vistos com maus olhos pelos Economistas mais ortodoxos. Os Economistas pretendem, naturalmente, maximizar a sua capacidade de modelar a realidade, cumprindo restrições de esforço, elegância matemática (parsimónia) e capacidade. Desta forma, são cada vez mais aqueles que acreditam que um dos argumentos desta função objectivo deve ser o realismo comportamental. Economia é uma ciência social e, como tal, o esforço de sistematização de ideias e teorias (muitas vezes acusadas de serem demasiado fragmentadas e não constituirem, ainda, uma teoria una) provenientes de outras ciências sociais (nomeadamente da psicologia) só pode contribuir para a credibilização e engrandecimento da Ciência Económica. Tal como entusiasticamente defendem Richard H. Thaler, um dos pioneiros na Economia Comportamental, e Colin Camerer (ver citações abaixo), um dia o termo comportamental deixará de fazer sentido.

“(...) num futuro não muito distante, o termo “Finanças Comportamentais” será correctamente visto como uma frase redundante. Que outro tipo de Finanças existe? No seu iluminismo, os economistas incorporarão, de forma rotineira, tanto “comportamento” nos seus modelos como aquele que observam no mundo real. Afinal, não o fazer seria irracional.”
In Thaler, Richard H. (1999), "The End of Behavioral Finance," Financial Analysts Journal, 56 (6), pp. 12-17.

“(...) tanta e tão interessante investigação poderia ser colocada sob esta designação [Economia Comportamental] que, em breve, o termo “Economia Comportamental” deixará de ser útil. É precisamente esse o objectivo! O objective não é criar uma disciplina isolada mas, antes, impôr mais disciplina psicológica na Teoria Económica que, durante muito tempo, devido aos esforços dos Economistas em apurar o tratamento Matemático da Economia, se baseou demasiado em pressupostos de capacidade de processamento ilimitada, auto-determinação e objectivos egoístas.”

In Camerer, Colin (1999), “Behavioral Economics,” American Economic Association, Newsletter of the Committee on the Status of Women in the Economics Profession, Winter

Para escrever este post, recorri frequentemente ao seguinte livro:

Backhouse, Roger E. (2002), "The Penguin History of Economics." Penguin Books, London, England

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