sexta-feira, maio 05, 2006

Preferências Intertemporais e Excesso de Escolha...
(Richard Thaler vs. Gary Becker e Eugene Fama)



Photo Source: Thanks to Grant Mitchell and www.flickr.com


"(...)we limn a more or less incomplete picture of our future wants and especially the remotely distant ones. And then there are all those wants that never come to mind at all."
(Eugen von Bohm-Bawerk 1889)


"Our telescopic faculty is defective, and we, therefore, see future pleasures, as it were, on a diminished scale."

(Arthur Pigou 1920)

Lembro-me de a ter aprendido nas aulas de Macroeconomia, na Faculdade de Economia do Porto, uma teoria simples e brilhante que lida com escolhas intertemporais - a teoria do ciclo de vida (TCV) de Franco Modigliani. Simplificando, a sua ideia principal é de que os agentes fazem escolhas inteligentes acerca do consumo em cada período (da sua vida), tendo em conta os recursos disponíveis durante toda a sua vida.

A teoria pode (e costuma) gerar algum descomforto a quem não esteja habituado à maneira de ver o mundo dos Economistas. Apesar de achar uma maneira fantástica de resumir as decisões de consumo, ao longo do tempo, das pessoas... confesso que a minha primeira reacção foi a mesma. No entanto, a TCV tem sobrevivido, com invulgar robustez, a ínumeros testes empíricos (desde os anos 50), demostrando ser capaz de servir de guia a importantes políticas económicas (por exemplo provisão de segurança social, efeitos de mudanças demográficas na poupança nacional e mesmo determinantes da riqueza e crescimento económico).


(Photo source - from www.flickr.com: Thanks to Angie)

O sucesso empírico de teorias como a do Ciclo de Vida pode explicar porquê que, até recentemente, as críticas feitas por Psicólogos e mesmo por Economistas Comportamentais a certos pressupostos das teoris Económicos eram, normalmente, ignoradas pelos Economistas.

As explicações alternativas eram vistas como pouco úteis (não ofereciam uma teoria sólida alternativa, apenas críticas e teorias fragmentadas) e mesmo perigosas (aceitar críticas ao pressuposto basilar da maximização de utilidade poderia levar-nos a ser capazes de arranjar explicação para toda e qualquer observação, ou seja, nada explicar), levando a que estas críticas não merecessem consideração, sobretudo quando as teorias clássicas estavam a fazer um trabalho bastante aceitável.

Cada vez mais, todavia, a colaboração entre Economia e Psicologia tende a criar uma teoria mais unificada e proporcionar verdadeiras alternativas aos modelos clássicos, descrevendo de forma mais completa a forma como as pessoas se comportam. Ainda há, no entanto, muito a fazer neste campo. Richard Thaler e Colin Camerer, entre outros Economistas Comportamentais, são os primeiros a admitir que é nesta área, de transformar o criticismo e as teorias alternativas em modelos económicos que reside o potencial de crescimento da Economia Comportamental e de contribuição para a Ciência Económica. Há trabalho para todos... :) Assumo que, um dia, as teorias comportamentais vão chegar a um nível de elegância, formalismo e unificação suficientes para suplantar, como modelos descriptivos de fenómenos Económics, algumas das teorias clássicas. No entanto, teorias como a do Ciclo de Vida serão sempre guardiãs do "comportamento ideal", a norma a que todos aspiraríamos mas que, dadas as nossas limitações (cognitivas), nem sempre atingimos. Muitas vezes saber qual seria o caminho ideal é tão ou mais importante que saber qual o caminho trilhado.

O Debate

Richard Thaler (U. Chicago) foi um dos primeiros Economistas a assumir-se como "Comportamental". Tem investigado bastante, por exemplo, acerca de influências comportamentais em decisões de Investimento e Poupança. Recentemente, estudou as políticas de privatização do plano de pensões da Suécia e detectou alguns paradoxos, à luz da teoria clássica. Thaler descobriu que os investidores (Suecos) faziam escolhas sub-óptimas (demasiado arriscadas). A explicação: tinham demasiadas opções o que, dada a capacidade limitada do ser humano para processar informação, prejudicava as decisões (algo semelhante com o abordado neste post e com este artigo do New York Times - 27/03/2005).

No entanto, diversos (talvez mesmo a maioria dos) economistas, como por exemplo Gary Becker (vencedor da medalha John Bates Clark em 1967 e o Prémio Nobel da Economia em 1992), consideram que ainda é prematuro propôr políticas económicas baseadas nos resultados da Economia Comportamental. Becker (e muitos outros) consideram que as teorias de Economia Comportamental, baseadas em Racionalidade Limitada, podem fomentar um papel demasiado paternalista do Estado (por exemplo: limitar as escolhas de pensões privadas à disposição dos cidadãos). Segundo Becker, ao nível do mercado, como um todo, a racionalidade cancela as "anomalias" psicológicas. Um dos seus comentários acerca deste debade foi “não importa se 90 por cento das pessoas não conegue calcular probabilidades. As 10 por cento que conseguem acabarão nos empregos em que tal é preciso..." (Artigo na Revista da Universidade de Chicago).

Richard Thaler, defende-se dizendo que, no exemplo Sueco, os cidadãos tiveram (todos) que escolher os seus portfolios e que "talvez Gary Becker esteja a confundir Economia Comportamental com Psicologia... pois os Economistas Comportamentais preocupam-se com o mercado a todo o momento...".

Thaler, em conjunto com Shlomo Benartzi da UCLA, criou ainda um plano de pensões chamado "Save more tomorrow" ou SMarT (editando ainda um artigo, em 2004, no Journal of Political Economy). O programa está a ter um sucesso invejável, com gestoras de pensões como a Vanguard a oferecerem SMarT a clientes TOP (corporate) e outras, como a T. Rowe Price e a Fidelity a prepararem-se para seguir a mesma estratégio. Thaler espera que até 2010, o SMarT tenha cerca de 1 milhão de participantes.

O facto de Thaler estar, merecidamente, a enriquecer com os seus investimentos e planos de pensões são uma prova, real, de que as suas teorias são válidas!

O debate, porém, está para continuar, com disputas acesas entre economistas dos dois lados do muro... Eugene Fama (autor da hipótese dos mercados eficientes) tem escrito das mais duras críticas a Economistas Comportamentais. Todavia, recentemente, reconheceu que investidores desinformados podem distorcer o mercado - levando os preços a serem, por vezes, irracionais (surpreendendo os 116 Economistas presentes na Universidade de Chicago para uma conferência em sua honra - ver aqui, por exemplo. Fama chegou a criticar ferozmente Thaler, dizendo: "Economistas comportamentais, como Richard Thaler, nada provaram em mais de 20 anos de pesquisas". Richard Thaler respondeu que "Eugene Fama é a única pessoa na Terra que ainda acha que não existiu uma bolha no Nasdaq em 2000".

À medida que as gerações se forem renovando e as ideias comportamentais (a) se forem integrando e sistematizando e (b) começarem a ser ensinadas nas nossas Faculdades, este tipo de críticas tenderão a deixar de existir. O objectivo, na minha opinião, deve passar por acomodar tanto realismo quanto possível (e útil) sem sacrificar o rigor do modelo e, simultâneamente, consolidar uma Teoria una e sólida.

Algumas referências
(artigos com asterisco estão disponíveis directamente, os restantes pode aceder-se ao abstract mas para o artigo completo pode ser necessária uma assinatura):


  • Bohm-Bawerk, Eugene Von (1889), "Capital and Interest." South Holland: Libertatian Press



  • Deaton, Angus (2005)*, "Franco Modigliani and the Life Cycle Theory of Consumption," Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review (forthcoming)



  • Frederick, Shane, George Loewenstein and Ted O'Donoghue (2002)*, "Time Discounting and Time Preference: A Critical Review," Journal of Economic Literature, Vol. 40 (2), pp. 351-401



  • Pigou, Arthur C. (1920), "The Economics of Welfare." London: Macmillan



  • Thaler, Richard and H. Shefrin (1981), "An Economic Theory of Self-Control," Journal of Political Economy, 89 (2), pp. 392-406



  • Thaler, Richard (1985), "Mental Accounting and Consumer Choice," Marketing Science, Vol. 4 (3), pp. 199-214
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